quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

A história da Bossa Nova - Parte XIX


O Carnegie Hall aplaudiu de pé, e cravos vermelhos foram atirados ao palco. Nos dias seguintes, alguns inimigos da Bossa Nova na imprensa brasileira noticiaram com fartura o “fracasso histórico” do show, A mentira e o exagero causaram uma repercussão tão negativa que Mário Dias Costa foi chamado pelo ministro das Relações Exteriores para explicar o que havia se passado. No entanto, o show havia sido filmado por uma equipe de TV americana. Dora Vasconcellos comprou o filme por 450 dólares e mandou-o para o Brasil na bagagem do radialista Walter Silva, o famoso Pica-pau. As TVs Continental e Tupi encarregaram-se de exibi-lo e a verdade veio à tona: o que se via era algo bem diferente do que a imprensa noticiara. Mostrava, por exemplo, a platéia aplaudindo entusiasticamente Tom, João, Bonfá, Agostinho dos Santos e os demais participantes do show. Logo Depois do concerto no Carnegie Hall, vários brasileiros fecharam contratos para continuar por lá. João Gilberto assinou um contrato de três semanas com a Blue Angel e outro com a gravadora Verve para gravar um disco. Tom Jobim foi contratado como arranjador pela Leeds Corporation. O conjunto de Oscar Castro Neves foi para o Empire Room do Waldorf Astoria. Chico Feitosa foi convidado por Mel Tormé para assistir ao seu espetáculo em Nova Jersey. Após a apresentação, no camarim, Chico ficou tocando suas músicas durante uma hora para Mel Tormé enquanto ele tirava a maquiagem. Tormé resolveu: “Quero gravar todas. Vamos nos encontrar na casa de Nesuhi Ertegun em Nova York depois de amanhã para acertar tudo”. Chico voltou para Nova York, caiu no redemoinho das festas para a Bossa Nova, esqueceu de Mel Tormé e voltou para o Brasil sem voltar a ligar para o grande cantor. Duas semanas depois do Carnegie Hall, aconteceu um novo show de Bossa Nova nos Estados Unidos — que muita gente, como o próprio Carlos Lyra, garante ter sido o “verdadeiro” — no George Washington Auditorium, em Washington. Dele participaram Tom Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra, Roberto Menescal, o Sexteto Sérgio Mendes, Sérgio Ricardo, o quarteto de Oscar Castro Neves, Luiz Bonfá, Agostinho dos Santos e Milton Banana. O grupo fechou sua apresentação em Washington, sendo recebido na Casa Branca. Tom Jobim ficou em Nova York por nove meses, período em que foi considerado o melhor arranjador musical . pela National Academy of Recording Arts and Sciences, da qual recebeu seu primeiro troféu internacional. O prêmio foi concedido por causa dos arranjos do disco de João Gilberto que a Odeon havia enviado para os Estados Unidos. Em maio de 1963 Tom gravou Antonio Carlos Jobim — The Composer of Desafinado Plays, com doze músicas suas, entre elas Garota de Ipanema, que em breve seria o maior sucesso da Bossa Nova e da música brasileira no Exterior. No final daquele ano também chegaria às lojas o disco Getz/Gilberto – Featuring Antonio Carlos Jobim, que em menos de um ano vendeu mais de dois milhões de exemplares. O principal êxito do disco foi The Girl from Ipanema, interpretada por Astrud Gilberto. Getz e Gilberto conheceram-se poucos dias depois do concerto no Carnegie Hall, num encontro do qual também participaram Tom Jobim e o produtor Creed Taylor, dono da Verve. A gravação do disco foi uma novela: João e Getz brigavam feitos cão e gato, o primeiro criticando a altura do sax do segundo, que por sua vez brigava com a voz sussurrada de João. Mesmo assim as oito faixas foram gravadas em apenas dois dias e o LP estourou nas paradas, conquistando vários prêmios Grammy. Carlos Lyra também ficou algum tempo nos Estados Unidos, acompanhando o grupo de Stan Getz.“Ajudou muito o fato do Getz ser um músico ligado à Bossa Nova. Ele queria um elemento brasileiro que cantasse acompanhado pelo conjunto dele”, conta. Lyra cantava somente suas canções e era acompanhado por músicos da melhor qualidade: Getz no sax, Gary Burton no vibrafone e Chick Corea no piano. Juntos, apresentaram-se nos Estados Unidos, Japão, Europa, México, Canadá e até no Brasil. Quando se separou do grupo, Lyra continuou sua carreira no Exterior por conta própria. O Carnegie Hall havia enfim provado que o evento tinha sido um sucesso na vida dos compositores e na vida da própria Bossa Nova. Apesar das críticas negativas ao show no Carnegie Hall, a Bossa Nova no Brasil estava mais forte do que nunca no início dos anos 60. Incansáveis, os músicos não paravam de compor e novas parcerias surgiam da noite para o dia. Foi assim com Baden Powell e Vinícius de Moraes. Apresentado a Baden pelo empresário Nilo Queiroz, aluno do violonista, os dois acabaram passando três meses trancados na casa de Vinicius, onde beberam dezenas de garrafas de uísque e criaram 25 canções, entre elas Berimbau e Canto de Ossanha. Em 1962, mesmo ano do Carnegie Hall, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto finalmente se reuniram para um espetáculo juntos. O antológico O encontro teve lugar na boate Au Bon Gourmet, em Copacabana. A temporada, prevista para um mês, acabou sendo prorrogada por mais duas semanas, tal foi o sucesso. Aquela foi a primeira vez que “o poetinha” cantou em público, e também foi a primeira vez que Garota de Ipanema foi apresentada num espetáculo. A música, que se tornaria um dos hinos da Bossa Nova em todo o mundo, foi composta por Tom alguns meses antes do espetáculo no Carnegie Hall, e Vinicius colocou a letra mais tarde, inspirado pela famosa garota que eles viram passar da varanda do Veloso, em Ipanema. Helô Pinheiro tinha apenas quinze anos na época. e costumava passar pela Rua Montenegro, atual Rua Vinícius de Moraes, a caminho do mar. Na mesma época, João Gilberto lançou seu terceiro disco, que levava apenas seu nome, viajando em seguida para os Estados Unidos, onde passaria alguns anos sem gravar e até mesmo sem voltar ao Brasil. Entre 1963 e 1969, João Gilberto apresentou-se em várias cidades dos Estados Unidos, Canadá e Europa, conquistando para sempre suas platéias. Em 1965, já separado de Astrud, conheceria em Paris sua segunda mulher, Miúcha Buarque de Holanda. Aloysio de Oliveira resolveu sair da Odeon e, em 1963, criou sua própria gravadora, a Elenco, que se tornou reduto da Bossa Nova. As capas dos discos, sempre brancas e com fotos de Chico Pereira, tornaram-se uma marca registrada da gravadora. Um personagem que marcou época na Bossa Nova foi o bailarino Lennie Dale, Ele chegou ao Brasil trazido por Carlos Machado para coreografar o show Elas Atacam pelo Telefone. Encantado com o Rio, Lennie foi ficando e se enturmou com os músicos do Beco das Garrafas, conseguindo convencê-los da importância dos ensaios para uma melhor performance profissional. Antes disso a improvisação costumava comandar os espetáculos. Lennie chegou inclusive a estrelar um espetáculo antológico, em que cantava O Pato com seu forte sotaque, segurando uma fruteira com um pato de verdade dentro. E foi Lennie também que resolveu inventar passos de dança para a Bossa Nova, já que na época qualquer novo ritmo musical sempre era associado a uma dança específica. Neste início dos anos 60, já começava a se formar a segunda geração dos compositores da Bossa Nova, da qual fizeram parte, entre outros, Marcos Valle, Edu Lobo, Francis Hime, Pingarilho, e Antonio Adolfo. Mais tarde, ainda sob a influência do primeiro grupo, apareceram Milton Nascimento, Chico Buarque e Toquinho.A cantora Elis Regina chegou ao Rio, vinda de Porto Alegre, em março de 1964. Ela já havia gravado três LPs na capital gaúcha: Viva a Brotolândia (1961), Poema (1962) e O Bem do Amor (1963), nos quais demonstrava a influência de sua maior admiração, Ângela Maria. Miéle e Bôscoli criaram para ela um pocket show no Little Club, do qual também participavam o conjunto Copa Trio, do baterista Dom Um, a bailarina Marly Tavares e o pandeirista Gaguinho. Lennie Dale encarregou-se de ensaiar a “baixinha”: foi dele a idéia de rodopiar os braços feito moinhos de vento, o que valeu a Elis o bem-humorado apelido de “Hélice” Regina. Marcos Valle conta que a música sempre esteve presente em sua vida. “Estudei música clássica durante treze anos e meu interesse por música brasileira começou muito cedo, ainda criança”. Lembra ele, que, em 1958, quando surgiu Chega de Saudade, ainda era um adolescente de quinze anos e só tocava nas festinhas dos amigos. Através da cantora Tita, Marcos foi apresentado a Johnny Alf, “Ele achou que eu tinha talento e começou a freqüentar a minha casa e me estimulava muito”, lembra Marcos. Mas sua atividade musical começou a crescer quando reencontrou Edu Lobo, amigo de infância do Colégio Santo Inácio, dentro de um ônibus. Edu comentou que estava tocando violão e que sempre se reunia com Dori Caymmi, filho de Dorival. Entusiasmado, Marcos resolveu se juntar aos dois e em breve eles formariam um trio vocal, com Edu e Dori nos violões e Marcos no piano. Edu Lobo frisa que, nesta época, nenhum deles pensava em música como uma profissão. “Eu já estava programado para estudar Direito e seguir carreira diplomática”, conta Edu, filho do jornalista e compositor Fernando Lobo. Mesmo assim, começaram a freqüentar as reuniões da Bossa Nova. Marcos Valle da primeira vez em que esteve na casa de Ary Barroso: “Estava todo mundo lá, Vinicius, Carlos Lyra, Baden Powell. Eles eram meus ídolos e de repente eu estava ali, no meio deles”. Numa outra reunião, esta na casa de Vinicius, Marcos reencontrou Lula Freire, amigo de infância de seu irmão Paulo Sérgio. Quando, já no fim da noite, Marcos pegou o violão, Lula imediatamente o convidou para ir no dia seguinte á sua casa para apresentá-lo aos músicos do Tamba Trio de Luizinho Eça. Marcos foi, mostrou algumas de suas primeiras composições, Sonho de Maria, Razão do Amor e Vem o Sol, e Luizinho, que já estava com disco praticamente pronto, resolveu voltar ao estúdio para gravar uma das canções de Marcos que mais o havia encantado: Sonho de Maria. Nesse mesmo dia Marcos foi apresentado a Carlos Lyra, Roberto Menescal, Luís Carlos Vinhas e Chico Feitosa. Menescal acabou levando-o aos Cariocas, que gravaram Vamos Amar, parceria com Edu Lobo, e Amor de Nada. No ano seguinte Marcos foi chamado para um teste na Odeon, gravadora na qual acabou ficando por doze anos. Seu primeiro disco, Marcos Valle Samba Demais, foi lançado em 1964. Edu Lobo lembra que aquela época foi muito especial, e que talvez nunca mais se repita em nenhum lugar do mundo. “Bastava você trabalhar muito para que as coisas acontecessem”, conta Edu. A história de sua parceria com Vinicius é um exemplo. Edu Lobo conheceu Vinicius de Moraes numa festa na casa de Olívia Hime, em Petrópolis. “Ela me ligou no final da tarde e disse para eu ir ate lá, porque o Vinicius também estava indo. Eu nunca tinha visto o Vinicius antes, a não ser em shows, e fui correndo”, lembra. (...) Continua na próxima postagem. Fonte: Revista Caras - Edição Especial de Julho de 1996.
Boa leitura - Namastê

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