quarta-feira, 5 de junho de 2019

Outras Bossas são coisa nossas - Parte I

João Gilberto é um baiano, "bossa nova" de 26 anos. Em pouquíssimo tempo, influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores. Nossa maior preocupação neste long-playing foi que Joãozinho não fosse atrapalhado por arranjos que tirassem sua liberdade, sua natural agilidade, sua maneira pessoal e intransferível de ser, em suma, sua espontaneidade. Nos arranjos contidos neste long-playing Joãozinho participou ativamente; seus palpites, suas idéias, estão todos aí. Quando João Gilberto se acompanha, o violão é ele. Quando a orquestra o acompanha, a orquestra também é ele. João Gilberto não subestima a sensibilidade do povo. Ele acredita que há sempre lugar para uma coisa nova, diferente e pura que - embora à primeira vista não pareça - pode se tornar, como dizem na linguagem especializada: altamente comercial. Porque o povo compreende o amor, as notas, a simplicidade e a sinceridade. Eu acredito em João Gilberto, porque ele é simples, sincero e extraordinariamente musical. P.S.: Caymmi também acha. Foi assim que Antonio Carlos Jobim apresentou João Gilberto na contracapa de Chega de Saudade, LP de estréia do cantor baiano lançado em 1959. Nota-se que o post-scriptum indicava a legitimação de outro baiano, Dorival Caymmi, artista que acabou assumindo no Brasil a posição de uma espécie de pai da canção popular em seu sentido mais profundo e misterioso: suas canções se diluem em nossa memória como se fossem de todos nós, criações de uma memória coletiva. Sob a prosa despojada e carinhosa de Tom, existia a consciência e a certeza da originalidade desse disco. E também de sua filiação - profundamente brasileira. Tom assumiu a direção musical, o piano e os arranjos na maioria das faixas desse e dos dois LPs seguintes do cantor: O Amor, o Sorriso e a Flor (1960) e João Gilberto (1961). Em seu livro sobre João Gilberto, Walter Garcia vai ao xis do problema: O que é que o baiano tem para tamanha importância lhe ser atribuída tão cedo, no lançamento do seu primeiro LP, e somente aumentar nas décadas seguintes? O ritmo. [...] Ao final dos anos 50, é claro, esta não é a única novidade apresentada por João. De novo há o seu jeito balançado de cantar baixinho, as suas harmonias dissonantes, os arranjos despojados, o seu repertório que mescla uma jovem safra de compositores cariocas com velhos sambas já bastantes esquecidos e também o seu acompanhamento rítmico ao violão, depois conhecido como a batida bossa nova. O que João Gilberto fez foi esvaziar e estilizar a síncope do samba em sua batida de violão. E Tom fez algo parecido nos arranjos de seus discos. Não existe a presença do contrabaixo nas gravações - são os bordões do violão de João que criam a regularidade das acentuações dos tempos fortes. A bateria toca a caixa no contratempo, sem bumbo, junto com a condução sincopada da vassourinha. O piano entra em momentos escolhidos a dedo, literalmente, com acentuações rítmicas precisas ou realçando dissonâncias estruturais da condução harmônica, mas nunca, diga-se de passagem, como efeito ornamental. A interferência orquestral está presente nas madeiras, principalmente flautas, e nos metais, tocados suavemente (trompas, trombones e às vezes saxofone); na seção das cordas destacam-se as frases dos violinos, que em seus contracantos criam profundidade e espaço. Em suma, tudo orbita em torno do violão de João, com o máximo de fluidez e organicidade. Esse som era realmente novo e tinha bossa. E revelou-se "altamente comercial", preocupação que Tom explicitara na apresentação do LP. João Gilberto foi a fagulha que faltava para o estopim da bossa nova, segundo o próprio Tom: "Eu tinha uma série de sambas-canção de parceria com [Newton] Mendonça, mas a chegada de João abriu novas perspectivas: o ritmo que João trouxe. A parte instrumental - harmônica e melódica - essa já estava mais ou menos estabelecida". - Por Cacá Machado, (...) Continua na próxima postagem

Boa leitura - Namastê

 

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