Entre 1958 e 1961, Tom Jobim produziu a maioria de suas canções clássicas, que ficariam identificadas como bossa nova: "Chega de Saudade" (com Vinicius de Moraes, 1958), "Desafinado" (com Newton Mendonça, 1958), "Esse Seu Olhar" (1958), "A Felicidade" (com Vinicius de Moraes, 1959), "Eu Sei Que Vou te Amar" (com Vinicius de Moraes, 1959), "Samba de Uma Nota Só" (com Newton Mendonça, 1960), "Meditação" (com Newton Mendonça, 1960), "Corcovado" (1960), "Insensatez" (com Vinicius de Moraes, 1961), "Água de Beber" (com Vinicius de Moraes, 1961) e "Garota de Ipanema" (com Vinicius de Moraes, 1961). Eis as mais emblemáticas - a lista, é claro, estende-se cancioneiro afora. Com Vinicius, o poeta moderno que aos poucos migrou da poesia escrita para a poesia cantada, Tom criou canções elegantes e sofisticadas que abriram um diálogo com a grande poesia modernista de sua geração - João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles. Com o também pianista Newton Mendonça, seu amigo de infância e adolescência musical, Tom compôs sobretudo canções irônicas, paródicas ou metalingüísticas, como as canções-manifesto "Desafinado" e "Samba de Uma Nota Só". A bossa nova de Tom, Vinicius, João Gilberto e Mendonça descortinou uma área de permeabilidade inédita na cultura brasileira: sob a forma da canção popular urbana de sucesso, criou-se uma arte ao mesmo tempo "popular" e "sofisticada". O projeto de modernização do Brasil de Juscelino Kubitschek, no final dos anos 50, tinha a bossa nova como trilha sonora. JK, o "presidente bossa nova", soube capitalizar tudo de bom que o país produzia nas áreas das artes e dos esportes (o Brasil começava então a fixar sua imagem de país do futebol), moldando uma identidade nacional em que a soft evasive mist da bossa nova, os dribles de Garrincha e Pelé e o perfil empreendedor da política nacional pareciam fazer parte da mesma jogada. Por outro lado, esse período representou um momento de utopia de modernização conduzida por intelectuais e artistas progressistas e criativos, cujo símbolo maior foi a construção de Brasília, projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer - com música de inauguração encomendada à dupla Tom e Vinicius: Sinfonia da Alvorada. O desdobramento mais próximo da bossa nova pode ser identificado na efervescência cultural e política da segunda metade da década de 1960. Ao mesmo tempo popular e sofisticada, essa música forneceu parte dos elementos musicais e poéticos para os movimentos artísticos do período, quando as oposições dualistas entre democracia e ditadura militar, modernização e atraso, desenvolvimento e miséria, passado arcaico colonizado e processo moderno de industrialização e "raízes" culturais versus cultura de massas internacional passaram a ser compreendidas como integrantes de uma lógica contraditória e paradoxal, sobretudo pelos artistas e intelectuais que criaram a Tropicália. É nesse sentido, pensando de modo amplo em seus desdobramentos, que se pode dizer da bossa nova que ela abriu uma área de permeabilidade cultural inédita no Brasil. E para Tom Jobim tudo isso ganhou um sentido particular. O trânsito entre o popular e o erudito, a sinfonia e a canção ou o samba e o jazz, por exemplo, nunca foi problema para ele. Tom criou um gênero musical e ajudou a internacionalizá-lo, como veremos, de modo absolutamente pessoal e profundamente brasileiro, ao contrário de outros músicos bossa-novistas como Sérgio Mendes ou Eumir Deodato, que fixaram residência definitiva nos EUA. Mas a bossa nova, e mais especificamente a figura de Tom Jobim, seria acusada por parte da crítica nacional de não ser genuinamente brasileira. A reação do compositor ao pensamento dessa crítica mais conservadora (e ao conservadorismo generalizado do regime militar pós-1964) manifestou-se de modo irônico, numa verdadeira antologia de tiradas sobre o tema: "O inimigo do brasileiro parece que é o brasileiro mesmo"; "A gente faz uma batidinha de bossa nova; no dia que os americanos copiam, você é imediatamente acusado de os americanos já terem feito aquela batida"; ou aquela famosa boutade que lhe foi atribuída, cuja autoria Tom nunca assumiu ou negou completamente: "a melhor saída para o músico brasileiro é o Galeão". - Por Cacá Machado
Boa leitura - Namastê