quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A história da Bossa Nova - Parte XIII

Alguns destes últimos, a partir de janeiro de 1963, passaram a produzir “noites de Bossa”, às segundas-feiras no Teatro de Arena, porque não dava mais para reunir em residências particulares todo o público interessado em participar desses encontros. Mais tarde ainda, os mesmos produtores promoveram espetáculos musicais no Teatro Maria Della Costa, inclusive uma releitura de Orfeu do Carnaval, que havia vencido em 1954 o concurso de textos teatrais inéditos, por ocasião dos festejos do IV Centenário de São Paulo. O papel principal coube a Agostinho dos Santos. Paralelamente aos shows, de palco e de arena, e também aos espetáculos em faculdades, que continuavam a mobilizar a geração mais jovem em torno da nova música brasileira, um outro grupo, liderado por Márcio Martins Moreira, mais tarde prestigiado publicitário nos Estados Unidos, se apresentava na rede de teatros de bairro mantida pela Prefeitura. Eram shows à luz de velas, que reuniam, entre outros, os compositores, cantores e violonistas Sérgio Augusto e Zelão, o pianista Nelson Ayres e a cantora Sonia. Entre essa fase, de shows na escala da casa noturna, do auditório de universidade, dos teatros pequenos e médios, e a era dos grandes espetáculos no Teatro Paramount e na TV Record, merece citação especial O Fino da Bossa, que causou uma mudança de rumo na forma e talvez no conteúdo desses eventos. Este foi realizado em maio de 1964 e teve seu título utilizado posteriormente para um programa semanal de televisão, na Record, estrelado por Elis Regina. O teatro, com capacidade da ordem de 1.800 espectadores sentados, ficava na contramão da convencionada região musical da cidade, isto é, estava localizado do lado contrário ao da Praça Roosevelt, no fim da Brigadeiro Luiz Antonio, próximo à Praça da Sé e ao Largo de São Francisco, Era proposta de seus organizadores — um grupo do Centro Acadêmico XI de Agosto, liderado por Horácio Berlinck Neto e Eduardo Muylaert e reunindo universitários de diferentes formações — realizá-lo em padrões o mais que possível profissionais. Todos os artistas seriam formalmente contratados, pois os organizadores eram todos estudantes de Direito — canções inéditas seriam incluídas, com arranjos especiais, e o evento seria registrado em disco LP a ser comercializado imediatamente após sua realização. A direção musical coube a Oscar Castro Neves, também autor de Onde Está Você?, em parceria com Luvercy Fiorini, que foi interpretada por Alaíde Costa, acompanhada por um noneto, constituindo-se na faixa principal do referido disco. As circunstâncias, inclusive o elenco, o local e a expectativa criada levaram o grande teatro a ficar superlotado, com o público excedente chegando a quebrar as portas na tentativa de assistir o espetáculo. Participaram ainda o recém-criado Zimbo Trio, Rosinha de Valença, Nara Leão, Jorge (então) Ben, os trios de Sérgio Mendes e de Edson Machado, Wanda, Ana Lúcia (estas duas, também acompanhadas pelo noneto de Oscar), Paulinho Nogueira, Claudete Soares, Marcos Valle, Os Cariocas, Geraldo Cunha, Luiz Henrique e Walter Wanderley, tendo o disco encabeçado por alguns meses as listas de vendagem no País. A partir dali, aquele espaço foi assumido como novo “templo da Bossa em São Paulo”, mudada a escala desses eventos, alteradas as relações entre artistas e promotores, e aberto novo mercado — o dos shows ao vivo — para o grande mercado fonográfico. Toda uma série de espetáculos seguiu-se ao Fino, comandados por Walter Silva, o Pica-pau, responsável, entre outros, pelo Samba Novo, Mens Sana in Corpore Samba, Bo-65, O Remédio é Bossa, Historinha, Primeira Denti-Samba e outros, alguns registrados em disco com grande sucesso, como o Dois na Bossa, que manteve por algum tempo o recorde de vendagem de disco nacional. Ampliava-se o sucesso da música popular do Brasil. Porém essa nova escala tenderia a levar ao afastamento de alguns traços e características fundamentais do movimento da Bossa Nova, entre os quais o intimismo. Como no Rio, as novidades da Bossa Nova eram freqüentemente geradas e difundidas em casas e apartamentos de universitários, gente da classe média, como Horácio Berlinck Neto e João Evangelista Leão, nos Jardins; Caetano Zama, que morava na região da Paulista, ou Ana Lúcia e Miúcha Buarque de Holanda, no Pacaembu. A mansão dos Berlinck, na Rua Itália, contava com todos os itens necessários a reuniões deste tipo — piano, bateria, contrabaixo, violão. “Minha mãe, tia Helena, era um barato. Recebia todo mundo, dava casa, comida e roupa lavada. Passei momentos inesquecíveis ali”, recorda Horácio. Primo da cantora Wanda Sá, volta e meia ele ia para o Rio, onde também participou de várias reuniões nas casas de Nara Leão e de Chico Feitosa e Ronaldo Bôscoli. Por volta de 1960, Horácio foi trabalhar como programador musical na Rádio Eldorado, “Ali, a gente tinha um gosto musical muito apurado”, afirma ele, que mais tarde coordenou o espetáculo O Fino da Bossa, no Teatro Paramount. Foi um dos produtores de Primeira Audição, no teatro do Colégio Rio Branco e na TV Record, onde também participou da produção do programa de Elizeth Cardoso (Bossaudade) e do de Elis Regina, Zimbo Trio e Jair Rodrigues, com o mesmo título daquele show do Paramount. Quando Horácio deixou a emissora, o programa passou a chamar-se simplesmente O Fino, onde foi diretor cultural numa época em que lá era freqüente a presença de artistas como Dick Farney, Isaurinha Garcia, Vinícius, Paulinho Nogueira, Johnny Alf, Geraldo Vandré ou Ana Lúcia. Foi durante cinco anos produtor do talk show de Silveira Sampaio, o mais importante da época, programa que “batia papo com gente desde cangaceiro até astronauta, de travesti a presidente, e com muitas personalidades da música. Naquele tempo, a turma da Bossa era uma fonte inesgotável...”. A casa de Evangelista, na Rua Cuba, assim como seu sítio em Jundiaí eram pontos de encontro de longas e animadas reuniões musicais, principalmente durante a época dos musicais da Record, dos quais participou, assim como Horácio Berlinck, da produção, ao lado da Equipe A (Tuta Carvalho, Nilton Travesso, Raul Duarte e Manoel Carlos) e de Zuza Homem de Mello, que aliás era contrabaixista de jazz durante os anos de início da Bossa Nova. Pesquisas de repertório, ensaios, montagem de números especiais ou garimpagem de novas músicas e músicos, tudo era pretexto para que as casas de Leão e de Horácio estivessem sempre cheias de gente, como os músicos do Zimbo, Elis, Cyro Monteiro, Alaíde, Fernando Faro, Arley Pereira, Chico, Toquinho, os baianos e os militantes da política universitária. Já a mansão da família Zammataro, na Alameda Joaquim Eugênio de Lima, perto da Avenida Paulista, era base paro encontros do pessoal da música e também do teatro paulista. (...) Continua na próxima postagem. Fonte: Revista Caras - Edição Especial de Julho de 1996.
Boa leitura - Namastê

domingo, 28 de outubro de 2018

2011 - Bossa Jazz The Birth Of Hard Bossa, Samba Jazz And The Evolution Of Brazilian Fusion 1962-73 - VA

Of Brazilian Fusion 1962-73
Lançamento: 2011
Selo: Elenco 'Soul Jazz Records'
Gênero: Bossa Nova, Brazilian Songs, Latino Jazz
Inegavelmente, nenhum outro movimento foi tão revolucionário na música quanto a Bossa Nova. Surgido por volta de 1958, renovou as harmonias e arranjos, dando à musica popular brasileira um cunho nacionalista, um dos tipos de música mais conhecidos do Brasil é com certeza a Bossa Nova. Uma parte da história do nosso país se desenrolou em paralelo com o surgimento dessa música. A palavra bossa apareceu pela primeira vez na década de 1930 numa música de Noel Rosa chamada de “Coisas Novas”. Confira abaixo um trechinho dessa música: “O samba, a prontidão/e outras bossas,/são nossas coisas(…)”. Essa expressão Bossa Nova começou a ser utilizada na década de 40 para designar os sambas em breque, aqueles em que era comum improvisar paradas súbitas durante as músicas para encaixar falas. Para alguns críticos musicais a bossa nova tem uma boa influência do impressionismo erudito de Debussy e Ravel. Além da música clássica a Bossa Nova também foi influenciado pelo cool jazz e o bebop. Podemos dizer inclusive que a bossa nova tem alguns toques de jazz como os elementos de samba sincopado embora não tenha tido uma influência tão forte da música estrangeira Alguns artistas da chamada bossa nova contam que a ideia de chamar esse novo estilo dessa forma surgiu no final de uma apresentação no Colégio Israelita-Brasileiro no ano de 1957. Até então o ritmo era chamado apenas de samba sessions, uma alusão à fusão feita entre o samba e o jazz. Porém, nesse dia os artistas viram um recado escrito por uma secretária do colégio chamando as pessoas para conferir concertos de samba-sessions com uma turma “bossa-nova”. Nesse evento estavam presentes Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal, Luiz Eça, Carlos Lyra e Sylvia Telles.
Boa audição - Namastê

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A história da Bossa Nova - Parte XII

Também de Minas, veio a voz romântica do cantor Luiz Cláudio. No Rio, locais como o Beco das Garrafas, na Rua Duvivier, em Copacabana, tornaram-se pontos de encontro dos músicos e amantes do jazz e da Bossa Nova, O nome do local surgiu do hábito pouco educado que os moradores dos prédios tinham, de jogar garrafas sobre os boêmios que perturbavam a paz noturna, o que era freqüente. Ali, nas boates Bottle’s, Bacarat e Little Club, os amantes do jazz, da Bossa Nova e das garrafas promoviam memoráveis encontros musicais. O Little Club e o Bottle’s pertenciam aos mesmos donos, Giovanni e Alberico Campana, que estimulavam as apresentações de grupos de jazz e Bossa Nova. Muita gente passou por lá neste início dos anos 60: Paulo Moura, Juarez Araújo, Cipó, Aurino, Maciel, Luizinho Eça, Luiz Carlos Vinhas, Sérgio Mendes, Baden Powell, Tião Neto e Chico Batera, entre muitos outros. O Zum-Zum, boate do compositor Paulinho Soledade, e o Manhattan também abriram seus espaços para a Bossa Nova. O homem de televisão Geraldo Casé, responsável pelo que de melhor se fazia em shows de IV abriu uma casa noturna dedicada quase que exclusivamente aos intérpretes da Bossa Nova. O local tinha o sugestivo nome de Rui Bar Bossa. Quando o disco de João Gilberto chegou a São Paulo, a maior concentração de pontos de encontro do pessoal que curtia jazz, MPB e música instrumental estava na Praça Roosevelt e seus arredores. Com ramificações, por exemplo, para os lados da Consolação, onde a boate Cave lançava cantores novos redescobria Aracy de Almeida ou Cyro Monteiro, e mais tarde apresentaria pocket shows, alguns importados do Beco das Garrafas. Neste mesmo rumo, chegava-se até a Rua Sete de Abril, onde a Oásis ainda era ponto de referência nas colunas sociais, e onde tocaram muitos dos músicos que viriam a se engajar na Bossa Nova. Nas boates Cave e Oásis, em São Paulo, foi lançada, com grande sucesso, a cantora e compositora Maysa Monjardim. A Praça Roosevelt, hoje urbanizada com estacionamentos subterrâneos, túneis, supermercado e outras construções, era então um espaço asfaltado, onde durante o dia estacionava um mar de automóveis, à exceção daqueles reservados à feira livre, ou dos fins de semana, quando lá aconteciam simultaneamente vários jogos de futebol do tipo “pelada”. Neste terreno atrás da igreja da Consolação funcionava uma espécie de praia dos paulistas em pleno centro da cidade. À noite, o pessoal a atravessava, com saudosas condições de segurança, para se deslocar da Baiúca, onde tocavam, por exemplo, os conjuntos de Pachá, Moacyr Peixoto, Luiz Loy ou do vibrafonista Garoto, até o outro lado da praça, onde funcionou o Delval de Caco Velho, o primeiro Stardust, onde Alan e Hugo tiveram como crooner, por exemplo, Jane Moraes, e como tecladistas Hermeto Paschoal ou Eli Arcoverde. Neste mesmo “outro lado da praça”, fizeram sucesso o Bon Soir, onde pontificava Walter Santos, ou o Farney’s, que depois virou Djalma, que depois se tornou Zum-Zum e que também entrou na onda dos shows de bolso. Também já faziam a noite paulista Agostinho dos Santos, Maysa e Juca Chaves, que mais tarde participariam dos primeiros espetáculos do gênero realizados na cidade, como o denominado “Festival Nacional da Bossa Nova”, promovido pelo então colunista social Ricardo Amaral, em abril de 1960, no Teatro Record. Como no Rio, entre as gravações mais curtidas por certo tipo de público que viria a se encantar com a nova Bossa Nova estavam a versão cantada por Chet Baker, de My Funny Valentine, e Cry Me a River, com Julie London acompanhada pelo guitarrista Barney Kessel. Na imprensa e nas rádios, a repercussão dos primeiros discos de Bossa Nova, particularmente o de João, foi evidentemente de perplexidade, entusiasmo, e em alguns casos até de indignação No meio dessas polêmicas, pode-se discutir precedências ou premonições, mas a verdade é que tiveram imediata e entusiástica repercussão em colunas como as de Armando Aflalo ou Adones Oliveira, assim como em programas de disc-jóqueis como Fausto Canova. Henrique Lobo, Fausto Macedo ou Walter Silva. São desta época duas frases infelizes, não definitivamente esclarecidas ou superadas, mesmo decorridos 35 anos, e que são inevitavelmente lembradas por quem pretenda estender ao campo da Bossa Nova o espírito de rivalidade entre paulistas e cariocas. Uma delas, em sua versão mais suave, foi proferida logo após quebrarem o disco 78 rpm de João Gilberto, e teria a forma de uma pergunta: “Por que gravam cantores resfriados?”. Sua autoria permanece em dúvida, variando do próprio diretor de vendas da gravadora Odeon em São Paulo até o gerente comercial das Lojas Assunção, então a maior cadeia de eletrodomésticos e de discos do país. A outra, de Vinícius de Moraes, chamava a cidade de “túmulo do samba”, gerando enormes reações a ponto de, em janeiro de 1965, o poetinha ter escrito quatro crônicas para o Diário Carioca, preocupado em esclarecer as circunstâncias nas quais teria sido pronunciada. Segundo ele, o comentário fora endereçado a Johnny Alf, para fazer desaforo a um grupo de grã-finos que estavam bêbados, na boate Cave, e comentaram em voz alta que aquele “cara” desafinava e “não tocava coisa com coisa”. Curiosamente, foi nestes artigos, sob o título de “SP não é mais o túmulo do samba”, que pela primeira vez ele fez referência a certo futuro parceiro, “Chico (..) (filho de meu querido amigo o historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda) cujos sambinhas são muito bons”. Entre as respostas à ofensa do poeta, a de um grupo de artistas e jornalistas paulistas, ou lá radicados, foi promover “reuniões de bossa”, que aconteciam em residências como as do maestro Souza Lima, de Renato Mendes ou de Maricene Costa, sempre aos sábados à tarde. Faziam parte desta turma, entre outros, Theo de Barros, Alaíde Costa, Claudete Soares, César Mariano, Walter Wanderley, Yvette, Adones Oliveira, Alberto Helena Jr., Franco Paulino, Luiz Vergueiro, Solano Ribeiro e Moracy do Val.  (...) Continua na próxima postagem. Fonte: Revista Caras - Edição Especial de Julho de 1996.
Boa leitura - Namastê

domingo, 21 de outubro de 2018

2011 - Brazil Bossa Beat! Bossa Nova And The Story Of Elenco Records - VA

Artista: VA
Álbum: Brazil Bossa Beat!
Lançamento: 2011
Selo: Elenco 'Soul Jazz Records'
Gênero: Bossa Nova, Brazilian Songs, Latino Jazz
 “Eu acho que as palavras devem ser pronunciadas da forma mais natural possível. Qualquer mudança acaba alterando o que o letrista quis dizer com seus versos.”
João Gilberto
Boa audição - Namastê

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

A história da Bossa Nova - Parte XI

Na mesma hora, o tão esperado show começou, e cada um tocou suas músicas, distraindo os animados convivas. Chico Feitosa e Bôscoli ficaram observando discretamente a sala de jantar. A certa altura um dos garçons foi até lá e levou aquele susto. Chamou um colega, ficaram os dois gesticulando e olhando para todos os lados em busca do leitão. Sem outra opção, levaram o problema ao dono da casa. “A gente não ouvia o que eles diziam, só via os gestos, o movimento dos lábios. Ele dizia ‘Como? Como sumiu?”, lembra Chico. Muito nervoso, o diplomata perguntou aos presentes se por acaso não haviam visto um leitão por ali. Obviamente, ninguém tinha visto leitão algum. Bôscoli, preocupado com a possível confusão, resolveu sumir de vez com o bicho. Numa operação complicadíssima, ele e Chico Fim de Noite embrulharam o leitão num jornal, depois numa toalha, deixaram a bandeja atrás da cortina e conseguiram contrabandeá-lo para o velho fusquinha de Bôscoli, estacionado nas imediações. O jantar acabou em clima de mistério, e no dia seguinte o prato foi devidamente degustado com “vivas” à Argentina, na alegre pescaria de Cabo Frio. Outro episódio que traduz o espírito irreverente da turma aconteceu na casa de uma condessa na Rua Dona Mariana, em Botafogo. A nobre senhora, anunciando uma noite de Bossa Nova, convidou o grupo e inúmeros socialites da época. Preparou um belo jantar, em que se comeu e bebeu à vontade. No fim da festa, na despedida à dona da casa, era preciso entrar numa fila para beijar a mão, que a condessa cerimoniosamente esticava a quem saía. O primeiro a entrar na fila foi Luiz Carlos Vinhas, num monumental pileque. Sem saber o que devia fazer, Vinhas simplesmente empurrou a mão da condessa para baixo e saiu. Mas este não foi o único insulto da noite. O pior ainda estava por vir. Chegou a vez de Zé Henrique Bello, artista plástico, freqüentador da Bossa Nova, que tentava se manter em pé na fila. A condessa esticou o braço. Zé Henrique segurou sua mão, parou para pensar em alguma coisa e acabou babando na mão da condessa. Percebendo a gafe, ainda tentou consertar: delicadamente limpou a mão da condessa na própria camisa e saiu, cambaleando. O pianista Luiz Carlos Vinhas sempre foi uma das mais divertidas figuras da Bossa Nova. Conta casos e inventa situações que já fazem parte da história do movimento. Numa noite, junto com Lula Freire e Chico Toselli, um amigo boêmio, foram para uma reunião de Bossa Nova no apartamento de uma bela morena carioca que morava na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, e era conhecida muito especialmente pelos seus belos atributos físicos. Como já era tarde, por volta das 11 h da noite, e a portaria já estava fechada, ficaram os três por ali, olhando para cima e escutando o som da reunião no 3º andar, esperando que aparecesse alguém para abrir a porta. Não demorou muito, chegou um sujeito enorme, uma verdadeira ilha, que ao abrir a porta perguntou a Vinhas para onde eles iam. O pianista, que quando fica nervoso dá uma gaguejada, quis se fazer de engraçado e disse para o cara: “É ne-negócio de Bossa Nova. Va-vamos na casa da fulana. Aquela da-da bunda grande”. “O grandalhão, sem mover um músculo, respondeu: “É minha irmã”. Luiz Carlos Vinhas ficou lívido, e segurando imediatamente no braço do sujeito, muito sério arrematou: “Bu-bunda maravilhosa!”. O grandão acabou rindo e abriu a porto para os três. Já a salvo, no apartamento, Vinhas comentava que o pescoço do irmão era maior do que a bunda da dona da reunião. A mania de todo mundo querer se mostrar íntimo da Bossa Nova irritava de verdade os compositores. Uma das principais características de quem queria se mostrar “da Bossa Nova” era dizer que tinha intimidade com os compositores e que sabia cantar todas as músicas do grupo. Um dia Chico Feitosa resolveu pregar uma peça numa senhora da sociedade que adorava se fazer de íntima: no meio de uma reunião começou a cantar uma música inventada na hora: Volma. “Eu cantava: ‘Voooolma, veja só que lalalalá... veeeeenha...’. Eram apenas algumas palavras desconexas, e o resto eram sons sem sentido”, conta ele. E não é que a mulher fingiu conhecer a música, chegando a acompanhar Chico nos vocais? Em pouco tempo, o termo Bossa Nova começou a servir para dar nome a qualquer tipo de coisa, desde geladeiras a lançamentos imobiliários. Mas muita gente também começou a implicar com o movimento: alguns críticos sem nenhuma importância e algumas pessoas conhecidas que pertenciam a uma outra geração de músicos e compositores e preferiam os antigos estilos da música brasileira. O jornalista Antonio Maria, cuja música Ninguém me Ama era usada como exemplo do que absolutamente não era Bossa Nova, era um deles. O próprio Antonio Maria, inteligente, ótimo cronista e homem da noite carioca, brincava com sua própria letra, cantando: “Ninguém me ama, ninguém me quer ninguém me chama de Baudelaire”. Maria mantinha uma coluna diária no O Jornal, onde sempre encontrava uma maneira de criticar o movimento. Ele e Bôscoli quase saíram no tapa na porta do Little CIub, mas Aloysio de Oliveira chegou a tempo de apartar a briga. Os dois, no entanto, ficaram sem se falar para sempre. Outro ferrenho inimigo da Bossa Nova era Sílvio Caldas. O cantor afirmava, para quem quisesse ouvir, que a Bossa Nova nada mais era que um movimento passageiro e sem categoria, e que rapidamente acabaria. Lamentável engano do seresteiro. Em contrapartida, os jornalistas Moysés Fuks, João Luiz Albuquerque e Sylvio Túlio Cardoso formavam o trio de ouro na defesa e na divulgação do movimento. Muita gente de peso acabou aderindo, como os maestros Radamés Gnatalli, Léo Peracchi, Rogério Duprat, Julio Medaglia e Guerra Peixe. Ary Barroso (este menos) e Dorival Caymmi também se chegaram, prestigiando várias reuniões do grupo. João Gilberto foi apresentado a Astrud Weinert na casa de Nara Leão, Em pouco tempo eles começaram a namorar e se casaram, tendo Jorge Amado como padrinho. Alguns anos mais tarde, ela gravaria a versão em inglês de Garota de Ipanema no lendário disco Getz/Gilberto. Ainda em 1960, João gravou seu segundo disco, O Amor, O Sorriso e a Flor, que consolidaria definitivamente a Bossa Nova. Do repertório constavam Meditação (Tom Jobim e Newton Mendonça), Só em Teus Braços (Tom Jobim), Se É Tarde Me Perdoa (Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli), Corcovado (Tom Jobim), Discussão (Tom Jobim e Newton Mendonça), Um Abraço no Bonfá (um instrumental de João Gilberto), Doralice (Dorival Caymmi), Amor Certinho, Samba de Uma Nota Só (Tom Jobim e Newton Mendonça), O Pato, Outra Vez e Trevo de Quatro Folhas. Tanto Samba de Uma Nota Só quanto Desafinado tornaram-se clássicos do movimento. Também no início de 1960, houve o primeiro rompimento sério na Bossa Nova. Carlos Lyra resolveu não esperar que André Midani, amigo dos compositores da Bossa Nova, diretor da Odeon, cumprisse sua promessa de gravar um disco com toda a turma e acabou assinando um contrato para um disco solo com a Philips, através de João Araújo. A notícia explodiu como uma bomba. Ronaldo Bôscoli não gostou nada da história e acabou rompendo com seu parceiro. O disco de Carlinhos, Bossa Nova Carlos Lyra, saiu com arranjos do maestro Carlos Monteiro de Souza contracapa com texto de Ary Barroso e canções como Rapaz de Bem (Johnny Alf), Chora Tua Tristeza, Ciúme, Barquinho de Papel, Gosto de Você, Quando Chegares e Maria Ninguém. Bôscoli já havia marcado um segundo show para a Faculdade de Arquitetura, no mesmo local onde acontecera o primeiro. O nome do espetáculo seria A Noite do Amor do Sorriso e da Flor, com a prometida presença de João Gilberto, Vinícius de Moraes, Os Cariocas, Johnny Alf e Norma Bengell. Por causa do desentendimento com Bôscoli, a turma de Carlos Lyra resolveu organizar outro show na mesma data, na PUC, contando também naquela noite com as presenças de Juca Chaves e Alaíde Costa. O show da Arquitetura foi infinitamente melhor: Johnny Alf compareceu e tocou seus dois grandes sucessos da epoca, Rapaz de Bem e Céu e Mar. Nervoso, o cantor e pianista precisou tomar um banho gelado antes de entrar no palco. O sempre irreverente Luiz Carlos Vinhas entrou no palco de velocípede. Outros que se apresentaram na mesma noite foram Nara Leão, Chico Feitosa, Claudete Soares, Sérgio Ricardo, o conjunto de Roberto Menescal, Luizinho Eça e os paulistas Pedrinho Mattar e Caetano Zama. Mas as duas grandes atrações da noite foram João e Astrud Gilberto, que fecharam o espetáculo. Outros cantores americanos também começaram a descobrir a Bossa Nova. Entre eles Sarah Vaughan, que viera ao Brasil pela primeira vez no ano anterior, e Nat King Cole, que gravara duas das faixas de seu disco latino com Sylvinha Telles. King Cole, inclusive, foi das poucas pessoas que fizeram João Gilberto aguardar algumas horas no corredor da Odeon esperando para ver o ídolo. Nat saiu e passou por ele sem saber de quem se tratava. Mais tarde, na casa de Tom Jobim, João comentaria: “Nat não é preto, é azul”. João Gilberto tornava-se cada vez mais perfeccionista. Certa ocasião foi convidado a fazer uma apresentação no programa Noite de Gala, que seria transmitido ao vivo do Tijuca Tênis Clube. O estádio estava apinhado de gente, e quando João começou a cantar “O pato... saiu cantando alegremente....”, todo o público respondeu em coro: “Qüém, qüém”, o que foi uma forma simpática de participação no show. Insultadíssimo, João simplesmente se calou, parou de tocar, disse baixinho ao microfone “eu não sou Miltinho” e retirou-se. Até hoje ninguém sabe muito bem o motivo da referência ao ex-crooner e pandeirista dos Anjos do Inferno, que estava nas paradas de sucesso com o samba Mulher de 30. A Bossa Nova logo se profissionalizou. O movimento deixara de ser um episódio carioca e tomava conta das rádios e televisões de todo o Brasil. Por todo o país violões passaram a ser vendidos como nunca. Músicos e compositores começaram a aparecer nas grandes e pequenas cidades, alegrando a música brasileira com a mensagem do amor, do sorriso e da flor. Em Belo Horizonte um grupo de rapazes e moças se encontrava para um bate-papo nas horas de folga, entre um estudo de Química e Física. Um violão ou piano quase sempre fazia parte da conversa. A explosão da Bossa Nova estimulou o grupo, que passou a cantar e tocar o novo som que vinha do Rio de Janeiro. De vez em quando alguém aparecia assobiando música nova de sua autoria. De repente surgiu a idéia de formar um conjunto próprio para tocar suas composições. A coisa era fácil: todos tocavam um ou mais instrumentos. O grupo, daí em diante, passou a reunir-se no sítio do pai de Pacífico Mascarenhas, nas proximidades de Belo Horizonte. Vai dia, vem noite, surgiu Sambacana, uma reunião musical na base de samba e cana, na qual eram apresentadas para os amigos as novas músicas. Os compositores e músicos do grupo eram Pacífico Mascarenhas (Pouca Duração, Começou de Brincadeira, Amor é Ilusão, Ônibus Colegial, Olhos Feiticeiros, Se Eu Tivesse Coragem, Mandrake), Roberto Guimarães (Amor Certinho, Serenata Branca, Menina da Blusa Vermelha), Alceu Nunes (Quantas Noites Ainda?, Estrada da Solidão), Gilberto Mascarenhas (Rosinha, Explicação), Marcos de Castro, violonista e arranjador do grupo, e Ubirajara Cabral, pianista e maestro do Coral de Ouro Preto, apontado pelo jornal O Globo como o melhor conjunto vocal do Brasil em 1962. Durante as madrugadas, saíam eles de piano e violão, em cima de um caminhão, com o Coral de Ouro Preto, fazendo serenatas pelas casas das namoradas até o dia clarear. Nos antigos cenários mineiros, o som da Bossa Nova encantava a todos. Na Bahia, terra de João Gilberto, Carlos Coqueijo e Alcivando Luz, também amigos do cantor, apresentavam o novo som em suas casas e na casa de Nilde Almeida. Entusiásticos shows ocorreram no Teatro Castro Alves e na boate do Hotel da Bahia. Os músicos Perna Fróes, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque, Gecildo Caribé, Bira da Silva e Lula Nascimento esquentavam as noites de Salvador. Não menos importante para o movimento, em épocas diversas, foram os instrumentistas Genivaldo da Conceição, Lindenberg Cardoso, Fernando Lona e Djalma Correa. A semente plantada por João Gilberto mais tarde traria Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil para a cena maior da música brasileira. Euler Vidigal, no Maranhão, despontava como compositor e reunia grupos de intelectuais, músicos e apreciadores para ouvir a novidade. (...) Continua na próxima postagem. Fonte: Revista Caras - Edição Especial de Julho de 1996. 
Boa leitura - Namastê

domingo, 14 de outubro de 2018

2011 - Bossa Nova and The Rise Of Brazilian Music In The 1960s - VA (2CDs)




Artista: VA
Álbum: Bossa Nova And The Rise Of Brazilian Music In The 1960s
Lançamento: 2011
Gênero: Bossa Nova, Brazilian Songs, Latino Jazz
Selo: Soul Jazz Records
A mais bossa nova das gravadoras não ficou marcada apenas por ter lançado grandes títulos do gênero, mas por criar uma nova linguagem para as capas dos LPs, um novo conceito que revolucionaria o mercado de discos nos anos 60. Desde então, o disco deixou de ser visto apenas como mais um artigo de consumo e ganhou status de objeto de desejo, algo que dava prestígio ao seu proprietário. O boom criativo da Elenco durou pouco, apenas quatro anos - em 1968, ela deixou de ser uma gravadora independente para virar um selo da Philips. Controlada por uma multinacional e já sem o comando de Oliveira, perdeu boa parte do brilho até ser fechada, definitivamente, em 1971. Nunca na história deste País houve uma gravadora como a Elenco.

Boa audição - Namastê

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A história da Bossa Nova - Parte X

No dia seguinte, já na casa da Nora, no Rio, o Ronaldo me perguntou: ‘Como é aquele negócio que você estava cantarolando mesmo?’ Então eu me lembrei mais ou menos da melodia e a gente fez O Barquinho.” Mergulhar, na época, era um esporte novo, e Menescal foi um dos primeiros a dominar o mar, chegando a virar notícia de jornal quando capturou um enorme mero nas águas de Cabo Frio. Além de Menescal também eram freqüentadores assíduos das pescarias Ronaldo Bôscoli, Chico Feitosa, Chico Pereira, Toninho Botelha e Normando Santos. Eventualmente, também Luiz Carlos Vinhas e Luizinho Eça. E Nara Leão, enquanto namorava Bôscoli. Menescal mantinha alugada em Cabo Frio, com o fotógrafo Chico Pereira, uma pequena casa de sala e quarto, onde às vezes dormiam mais de dez pessoas. Na única vez que conseguiram arrastar João Gilberto para Cabo Frio, ele se recusou a entrar no barco e ficou esperando na praia, com o violão, No fim da tarde, quando voltaram, ele estava na mesma posição, muito vermelho e reclamando muito: “Por que vocês fazem isso comigo?”. Desta época de pescarias, além de O Barquinho, Menescal e Bôscoli compuseram, entre outras, Rio, Nós e o Mar, Ah, se Eu Pudesse, A Morte de Um Deus de Sal. Entre 1958 e 1959, Tom Jobim lançou diversas canções que se tornaram clássicos da Bossa Nova: Meditação, Discussão, Samba de Uma Nota Só (com Newton Mendonça), Dindi, Demais e Eu Preciso de Você (com Aloysio de Oliveira), Este Seu Olhar, Fotografia (só dele), A Felicidade, O Nosso Amor, Eu Sei Que Vou Te Amar (com Vinícius). Sylvinha Telles cantou a maioria delas nos dois LPs que gravou em 1959: das 24 canções, 18 eram de Jobim. Em agosto de 1959, os estudantes de Direito da PUC resolveram organizar um show com os artistas da Bossa Nova. As principais atrações seriam as já consagradas Sylvia Telles e Alaíde Costa, além da vedete Norma Bengell, que mostraria além de seus dotes físicos os seus dotes de cantora. Os músicos convidados seriam Roberto Menescal, Luiz Carlos Vinhas, Carlos Lyra, Nara Leão, Normando Santos, Chico Feitosa e os irmãos Castro Neves, entre outros. Ronaldo Bôscoli, que seria o apresentador, prometera levar também Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Billy Blanco e Dolores Duran. Os padres da PUC autorizaram a realização do show, mas com uma condição: a saída de Norma Bengell, cuja presença na universidade católica havia sido vetada. Como os organizadores não queriam abrir mão da presença dela (“turma era turma...”) o show acabou sendo transferido para a Faculdade de Arquitetura, na Praia Vermelha. O episódio do veto a Norma ganhou as páginas dos jornais, que o noticiaram com fartura. O resultado é que, no dia do espetáculo, 22 de setembro, centenas de pessoas se aglomeravam na porta da Arquitetura para assistir ao “show proibido”. Apesar do amadorismo gritante do espetáculo, a noite foi um sucesso. Norma Bengell apresentou-se toda de negro e foi aplaudida de pé, mostrando cinco canções do disco Ooooooh Norma! que ela gravara pela Odeon. Alaíde Costa interpretou brilhantemente Chora Tua Tristeza, de Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini. Até Luiz Carlos Vinhas e Ronaldo Bôscoli cantaram. O primeiro entoou Desafinado e Chega de Saudade, enquanto o segundo mostrou Mamadeira Atonal, composição sua que nunca chegou a ser gravada. Os prometidos Vinícius, Tom, Billy Blanco e Dolores compareceram para prestigiar, mas não subiram ao palco. Os jornalistas Ronaldo Bôscoli e Moysés Fuks encarregaram-se da repercussão do evento na imprensa, respectivamente na revista Manchete e no jornal Última Hora, Todos queriam saber o que era exatamente aquela música tocada ali, se era jazz, se era samba. Mas Tom Jobim e Newton Mendonça já haviam definido: aquilo era Bossa Nova. A partir daí, todos queriam escutar Bossa Nova e os convites para shows e reuniões começaram a proliferar. O grupo fez espetáculos na Escola Naval (do qual participaram também Lúcio Alves, Sylvinha Telles, Alaíde Costa e Norma Bengell), no Colégio Santo Inácio, no Franco-Brasileiro, no auditório da Rádio Globo, este último transmitido ao vivo do auditório na Rua Irineu Marinho e do qual participaram Os Cariocas, já com a formação que virou oficial: Severino, Badeco, Quartera e Luís Roberto. Naquela época, gravadores de som não eram muito comuns nas mãos de não-profissionais. Uma das poucas pessoas que possuíam gravador era Jorge Karam, amigo de toda a turma da Bossa Nova e um apaixonado por música. Graças ao hobby de Karam ficaram preservados importantíssimos momentos da vida do movimento e de seus participantes. Do show da Arquitetura e da Escola Naval, como tantos outros, o único record que existe são as preciosas  gravações de Karam a quem a história da Bossa Nova muito deve.Em breve, ter representantes da Bossa Nova numa reunião era sinônimo de status. A presença de João Gilberto numa festa, então, era disputadíssima. Todo mundo anunciava sua presença, mas era raro ele aparecer. Em compensação, quando o fazia, deixava seus ouvintes exaustos: muitas vezes tocava até o amanhecer. Alguns locais do Rio passaram a ser sinônimos da Bossa Nova, sendo raras as noites em que os compositores do grupo e seus amigos não se encontrassem. Além da casa de Nara Leão, as casas de Lula Freire, Geraldo Casé, Chico Pereira e Jorge Karam eram verdadeiros templos do movimento. As reuniões em casa de Marilene Dabus e Bené Nunes eram outro ponto de encontro dos músicos e compositores. Um pouco mais tarde, as casas do advogado Nelson Motta, pai do compositor Nelsinho Motta, e do empresário Cícero Leuenroth, pai da cantora Olívia, que anos depois se casaria com o compositor Francis Hime, também eram refúgio seguro para a Bossa Nova. O movimento tinha muitos simpatizantes e admiradores de primeira hora. Um dos mais freqüentes às reuniões do grupo era o jornalista João Luís Albuquerque. Íntimo dos músicos e compositores, João Luís foi um dos maiores divulgadores da Bossa Nova, e certamente um dos seus mais importantes incentivadores. Muita gente passou a organizar festas apenas para mostrar aos amigos uma pretensa intimidade com o grupo. Proliferavam jantares e reuniões, tanto no Rio como já em São Paulo, muitas vezes oferecidos por diplomatas e pessoas da sociedade interessados na novidade musical. Um dos episódios mais hilariantes desta época aconteceu na casa do adido cultural da Argentina. A mulher de Normando Santos, Lolita, que trabalhava na embaixada argentina, foi encarregada pelo diplomata de organizar um jantar em seu apartamento, na Rua Siqueira Campos, em Copacabana. Naquela reunião estavam, entre outros, Luiz Bonfá, Maria Helena Toledo, Luiz Carlos Vinhas, Chico Feitosa, Lula Freire, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Roberto Carlos, Carlos Imperial, Luizinho Eça e até um membro do grupo apelidado de Milton Ilha Rasa, que tinha esta alcunha por causa do estado em que ficavam seus olhos após atravessar as emoções e exageros da noite. O apartamento do diplomata tinha várias salas. Numa delas se instalaram diplomatas, músicos e compositores. Em outra foi colocada uma enorme mesa com vários pratos decorados, arranjos de flores e um belo leitão assado. O dono da casa, aflito, esqueceu a diplomacia e começou a insistir para que o show começasse. Nada incomodava mais os integrantes da Bossa Nova do que, em vez de se sentirem convidados, serem considerados apenas como músicos aparentemente contratados para divertir uma festinha social. Enquanto os companheiros, de propósito, não se resolviam a tocar, Luiz Carlos Vinhas aproveitou para tomar um banho na suíte do apartamento. Usou todos os sais e perfumes da esposa do diplomata. Saiu limpíssimo, mas deixou o banheiro em situação caótica. Tanta insistência por parte do dono da casa acabou irritando Vinícius de Moraes, “Vamos dar uma lição nesse cara, vamos sumir com aquele leitão. Esconde o leitão “, instigou ele. Ronaldo Bôscoli gostou da idéia até porque o grupo seguiria da casa do diplomata diretamente para o fim de semana de pescarias em Cabo Frio, onde o leitão seria certamente muito mais aproveitado - e resolveu produzir o seqüestro. Ajudado por Vinhas, pegou o leitão, com bandeja de prata e tudo, e escondeu atrás de uma cortina. Vinícius só ria. (...) Continua na próxima postagem. Fonte: Revista Caras - Edição Especial de Julho de 1996. 
Boa leitura - Namastê

domingo, 7 de outubro de 2018

1999 - Mo'plen Brazilia - Italian Bossa Players In A Lounge Game - VA

 
Artista: VA
Álbum: Mo'plen Brazilia - Italian Bossa Players In A Lounge Game
Lançamento: 1999
Selo: Global Village 'Irma La Douce'
Gênero: Bossa Nova, Italian Jazz
Não sou a melhor pessoa com palavras, então faço das músicas de bossa nova a minha declaração de amor para você, pois elas captam toda a intensidade do meu sentimento: "Quero a vida sempre assim, com você perto de mim, até o apagar da velha chama. Ao encontrar você, eu conheci o que é felicidade, meu amor".

Boa audição - Namastê

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

A história da Bossa Nova - Parte IX


Em 1955, convidado pelo amigo Luís Telles para passar uma temporada em Porto Alegre, resolveu ir conhecer a capital gaúcha. Passou ao todo sete meses no Sul, onde conquistou grande parte dos boêmios da cidade com seu violão. Após esta temporada, João foi para Diamantina, onde morava sua irmã Dadainha. Lá ficou oito meses, até maio de 1956. Passava todo o tempo trancado no quarto ou no banheiro estudando violão sem parar. Dadainha resolveu devolvê-lo para a casa de seu pai, em Juazeiro. Incompreendido em sua própria terra, João resolveu voltar ao Rio para mostrar o que tinha descoberto. Uma nova “batida” de violão, que iria mudar os destinos dos músicos brasileiros e influenciar a música do mundo inteiro. Quando terminou o namoro com João Gilberto, Sylvinha Telles ainda não cantava profissionalmente, mas resolveu se apresentar, sem o conhecimento de seu pai, no programa Calouros em Desfile, apresentado por Ary Barroso. Fez sucesso e acabou convencendo a família a aceitar sua opção profissional Sylvia foi, ao lado de Dolores Duran e Maysa, uma das três grandes cantoras dos anos 50. Em 1956, o 78 rpm Foi a Noite, em que interpretava a bela canção de Tom Jobim e Newton Mendonça, era item obrigatório nas discotecas modernas. A suavidade das interpretações de Sylvinha era um retrato da própria cantora no trato com seus inúmeros amigos. Grande amiga de Roberto Menescal e de todos os músicos da Bossa Nova deixou um enorme vazio no coração do grupo ao desaparecer tragicamente num desastre de automóvel junto com seu namorado, Horacinho de Carvalho, pessoa muita querida na sociedade carioca. Do seu primeiro casamento com o violonista Candinho, Sylvinha Telles deixou uma filha, a cantora Cláudia Telles. Seu irmão, o compositor Mário Telles, foi parceiro do maestro Moacyr Santos, outro nome admirável entre os arranjadores brasileiros. Dolores Duran, que também compunha (é autora do clássico A Noite do Meu Bem) em parceria com Ribamar, contagiava a todos com suas canções, interpretadas com tal emoção que lembrava as grandes divas dos blues americanos. Já Maysa vinha do extremo oposto: paulista, casou-se aos 18 anos com André Matarazzo, sobrinho do conde Francisco Matarazzo e 20 anos mais velho do que ela. Cantava divinamente nos saraus da aristocracia paulistana. Mas, se no Rio de Janeiro as famílias de classe média desprezavam a profissão de músico ou cantora, numa família quatrocentona paulista a coisa era bem pior. O casamento durou menos de um ano, pois, ajudada por seu pai, Maysa conseguiu gravar um disco e acabou se desligando da família Matarazzo. O novo jeito de tocar e cantar de João Gilberto rapidamente contagiou toda a turma, que finalmente encontrou seu caminho musical. Tocar violão virara uma febre. Naquela época, Carlinhos Lyra e Roberto Menescal já haviam aberto uma academia de violão em Copacabana, onde ensinavam as técnicas do instrumento para um sem-número de jovens alunos interessados na nova batida. Há controvérsias quanto à origem da expressão Bossa Nova. Uns defendem que Noel Rosa já a utilizava bem antes do aparecimento de João Gilberto. Outros a atribuem ao cronista Sérgio Porto, que por sua vez a teria ouvido de um engraxate. Mas a versão mais aceita é a de que o jornalista Moysés Fuks, do jornal Última Hora, seria o responsável por sua criação. Fuks, cuja irmã estudava na academia de Lyra e Menescal, era diretor artístico do Grupo Universitário Hebraico do Brasil, uma associação estudantil no Flamengo. O jornalista resolveu convidar a turma para fazer um show no Grupo, no primeiro semestre de 1958. Ele, ou alguém cuja identidade é um enigma, escreveu no cartaz: “Sylvinha Telles e um grupo Bossa Nova”. O show, cuja divulgação foi feita apenas no boca-a-boca, foi um enorme sucesso. Faziam parte do “grupo Bossa Nova” Carlos Lyra, Roberto Menescal, Chico Feitosa, Ronaldo Bôscoli, Nara Leão e outros. A partir dali, o termo começou a ser usado pelo próprio grupo para definir a música que faziam. Poucos meses depois, Tom Jobim e Newton Mendonça compuseram Desafinado, cujos antológicos versos "Isso é Bossa Nova / isso é muito natural” ajudaram a consolidar a expressão. João Gilberto, ao ouvir Desafinado na casa de Tom, pediu para gravá-la e o fez em novembro de 1958, em seu segundo disco. Este tinha, de um lado, a música de Tom e Newton Mendonça, que viria a se tornar um dos hinos da Bossa Nova, e do outro uma composição sua, Ô-ba-la-lá. No início de 1959, Tom Jobim convenceu Aloysio de Oliveira, então diretor da Odeon, a gravar um LP com João. Neste entraram Chega de Saudade (que deu nome ao LP), Bim-bom, Ô-ba-la-lá (de João), Desafinado, Brigas Nunca Mais ( de Tom e Vinícius), Lobo Bobo e Saudade Fez Um Samba (de Lyra e Bôscoli). Maria Ninguém, de Lyra, Rosa Morena, de Caymmi, É Luxo Só, de Ary Barroso e Luís Peixoto, e Aos Pés da Santa Cruz, de Marino Pinto e Zé da Zilda. Tom Jobim assinou o texto da contracapa no qual previa a importância de João, que segundo ele, já havia, em pouquíssimo tempo, influenciado “toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores”. Além da música, a grande paixão de Menescal, Bôscoli e sua turma eram as pescarias submarinas que promoviam no litoral de Cabo Frio e Arraial do Cabo, praias que nos anos 50 eram um verdadeiro paraíso praticamente intocado pelo homem. Numa dessas ocasiões foi criado O Barquinho, outro clássico da Bossa Nova. É Menescal quem conta: “Nesse dia a gente estava num barco alugado, fora da Ilha do Cabo, num lugar em que eu nem devia ter levado a turma, porque era bastante perigoso. Estávamos Ronaldo, Nara, Bebeto, Luizinho, eu e mais algumas pessoas, talvez umas oito, no total. O barco enguiçou e o pessoal ficou muito apavorado, porque ali a profundidade era grande e a âncora não alcançava o fundo. O barco foi indo para fora e o barqueiro, acostumado com aquilo, foi deixando. Eu comecei a brincar, dizendo que a gente podia pegar uns peixes e comer crus, que fome a gente não ia passar. Aí eu comecei, de brincadeira, a cantarolar uma melodia que me veio à cabeça na hora. O barquinho fazia toc-toc-toc, não pegava, e eu cantarolando, brincando. Alguém começou a brincar também, dizendo ‘O barquinho vai, a tardinha cai, o barquinho vai...’. Até que vimos um barco que estava vindo de Abrolhos e rebocou a gente. Aí ficou todo mundo alegre de novo. (...) Continua na próxima postagem. Fonte: Revista Caras - Edição Especial de Julho de 1996.
Boa leitura - Namastê