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quarta-feira, 1 de maio de 2019

Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais - Parte III (Final)

No rádio. Mas funcionava: o público em casa ouvia o artista americano e também a gritaria do público do auditório delirando com as dublagens que Tony Tornado e Gerson King Combo faziam de Chubby Checker e Little Richard. Depois havia o concurso de dança, animado e comentado por Imperial, e finalmente começava a música ao vivo: anunciado estrepitosamente por Imperial como “o Elvis Presley brasileiro”, Roberto Carlos, acompanhado pelos Snakes, com Erasmo Esteves no violão e nos backing-vocals. Em casa os ouvintes da Zona Norte e dos subúrbios ficavam incendiados com a gritaria e animação do estúdio. E a festa continuava: “E atenção, brotos, porque vem aí o Little Richard brasileiro!”, anunciava Imperial. E Tim Maia entrava e cantava um rock explosivo acompanhado pelos Snakes e levantava o auditório. Tim era amigo de Erasmo desde criança na Rua do Matoso, na Tijuca, quando ainda se chamava Tião e entregava marmitas da pensão de seus pais, dona Maria e seu Altivo, considerado no bairro um mestre dos temperos. Antes de música, o pequeno Tião aprendeu a comer bem e sempre foi gorducho. Quando saía para entregar as marmitas, pendurava-as num cabo de vassoura que levava nos ombros, como um pescador chinês de carnaval. Todos os dias na hora do almoço ele saía para fazer as entregas e, balançando suas latas, passava pelo Largo da Segunda-feira, onde sempre rolava animada pelada. Era irresistível. Em campo, Tião era o mais pesado e, às vezes, o mais violento: ia na bola como quem vai num prato de comida. O exercício lhe abria o apetite e Tião abria as marmitas e tomava uns goles de sopa aqui, beliscava um pastel ali, umas bocadas de arroz e feijão acolá, um pedaço de doce, e com as marmitas mais leves seguia para a entrega. Tanto quanto de comida, Tião gostava de música. Começou a aprender violão sozinho, ensinou três acordes para Erasmo e os dois tentavam tardes inteiras, em vão, fazer no violão as complexas harmonias do “Desafinado” de João Gilberto, que adoravam. Quando depois Tião foi para os Estados Unidos, se correspondia com Erasmo assinando “Tim Jobim” e recebia abraços de “Erasmo Gilberto”. Tião tinha 16 anos quando resolveu que iria para os Estados Unidos. Começou a dizer para todo mundo que ia morar com uma família americana num programa de intercâmbio, fez uma campanha de arrecadação de fundos na família e conseguiu, depois de suplicantes visitas, convencer o bondoso pároco da igreja da Tijuca a completar o que faltava para a passagem de avião, só de ida. Tião tinha falado tanto para tanta gente e dado tantos detalhes da sua “família americana” que acabou ele mesmo acreditando em sua ficção e se decepcionando: na chegada a Nova York ninguém o esperava no aeroporto. Em Manhattan e depois na vizinha Tarryton, Tião virou Tim e trabalhou de garçom, entregador de pizzas, aprendeu inglês, conheceu a música negra americana, cantou em grupos vocais, fez pequenos furtos e experimentou fartamente tudo que era droga leve e pesada. Uma noite, com três crioulos amigos, foi preso em Daytona Beach, onde estavam fumando maconha dentro de um carro roubado. Passou uma temporada na cadeia em Daytona e foi deportado para o Brasil. Na Tijuca, de tanto cantar o rock “Bop-a-lena”, Tim ganhou o apelido de “Babulina”. Mas “Babulina” também era o apelido de um garotão do Rio Comprido, um mulato atlético chamado Jorge, que também cantava “Bop-a-lena”, tocava violão e fazia parte da gangue “Os cometas”. Nas rodas da Praça da Bandeira, ponto de encontro das turmas da Matoso e do Rio Comprido, já se comentava que Tim iria ter problemas com Jorge, que se considerava o dono do apelido por cantar a música há mais tempo. Mas tudo se resolveu pacificamente e Jorge acabou participando de uma serenata com Tim e Erasmo, no Beco do Mota, debaixo da janela da generosa Lilica, que costumava receber a turma toda em sua cama, um por um. Chegavam a se formar alegres e ansiosas filas de dez, doze garotos à sua porta, e muitos jovens tijucanos e rio-compridenses tiveram com ela a sua iniciação sexual. Mas naquela noite acabaram todos na delegacia por reclamação dos vizinhos e o violão foi apreendido: a serenata não era de valsas e canções mas de twist e rock and roll. Com suas festas de rua, na Casa da Beira e na Vila da Feira, os clubes portugueses da área, com suas quermesses e suas festas juninas, a vida na Zona Norte era animada e Jorge estava em todas com seu violão, cantando “Bop-a-lena” e sempre agradando as meninas, até que começou a fazer suas próprias músicas, passou a usar o nome de Jorge Ben e começou a tentar a vida nos bares de Copacabana. Tudo virou Bossa Nova, do presidente à geladeira, do sapato à enceradeira, a expressão ficou muito maior do que a música que a originara. Amplificada pela publicidade, caiu na boca do povo para designar tudo que era (ou queria ser) novidade: eventos e promoções, comidas e bebidas, roupas, veículos, imóveis, serviços e pessoas que nada tinham a ver com música e muito menos com a música de João Gilberto e Tom Jobim. Não havia mais possibilidade de qualquer controle: se tudo era bossa nova, então nada mais era bossa nova. Até a bancada da UDN na Câmara tinha a sua “bossa nova”. Era preciso fazer alguma coisa: Ronaldo chegou a pedir a um advogado, meu pai, que redigisse os estatutos de um “Clube da bossa nova”, que daria shows, discos e um jornalzinho para seus sócios. Carlos Lyra registrou a marca “Sambalanço” e lançou seu disco na Philips com este título. A Odeon dispensou a “Turma” e resolveu gravar apenas um disco com quatro faixas, então chamado compacto duplo, com o conjunto de Roberto Menescal. Os dois discos passaram longe do sucesso popular mas provocaram intermináveis discussões nas rodas musicais de Copacabana. O disco de Carlinhos, além de “Rapaz de bem”, de Johnny Alf, tinha outras boas músicas, como “Maria ninguém” e “Ciúme”, arranjadas em estilo “jobiniano” e com a batida da bossa nova, mas metade do disco — talvez a melhor — era de toadas e sambas-canções. E a performance do cantor não era entusiasmante. No de Menescal, ótimas músicas, como “Céu e mar”, de Johnny Alf, mas nem cantor tinha: guitarra, baixo, bateria, piano, flauta e trompa produziam um balanço animado, um timbre diferente e tocavam arranjos bem jazzísticos, bem Copacabana. E eu ouvia os dois discos o dia inteiro. - Fonte: Incerto do livro, Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais, Nelson Motta - Editora Objetiva, 2000 - 461 páginas
Boa leitura - Namastê

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais - Parte II

Edu Lobo, que já tocava razoavelmente de ouvido, foi para a academia para ser aluno de Wanda Sá, aluna de Menescal, que não tinha mais horários. Acabou tendo aulas com Samuel Eliachar e em pouco tempo já tinha aprendido o método e tinha quatro alunos: pagava as aulas de Samuel e ainda lhe sobrava o suficiente para transporte e lazer. . Algum tempo depois até eu tinha algumas alunas.  Outro ponto de encontro era o Mau Cheiro, um botequim aberto para o mar de Ipanema, na esquina com Rainha Elizabeth. Era da praia para o bar e do bar para o mar, e vice-versa. De violão na mão. Muita gente achava cafonice, mas era com certo orgulho que atravessávamos a Avenida Vieira Souto de violão na mão. Quem carregava violão nas costas era Jucá Chaves, que era paulista e nunca teve nada a ver com a bossa nova. Com faro compatível com seu nariz, o esperto Jucá emplacou um hit com “Presidente bossa nova”, que de bossa nova não tinha nada, era mais uma paródia do novo ritmo, perfeita para ambientar um retrato satírico de JK e suas novidades. Jucá gostava mesmo era de modinhas, mas ao mesmo tempo em que pegou carona na confusão inicial da bossa, com o sucesso de sua música ele contribuiu para popularizar a expressão. E além de tudo, JK era realmente bossa nova. “Mas merecia música melhor...”, rosnavam os fundamentalistas da bossa e os guardiões de sua pureza, devotos da Santíssima Trindade — João, Tom e Vinícius. Nós nos considerávamos os apóstolos dos apóstolos. Mas tínhamos o supremo privilégio do acesso direto às divindades e a graça do testemunho. Mais que uma causa, vivíamos a bossa nova como uma religião. Na praia em frente ao Mau Cheiro, de preferência à tarde, embora alguns fanáticos tocassem e cantassem até mesmo ao sol do meio-dia —, formavam-se rodinhas de moças e rapazes em volta de alguém com um violão. Para cantar bossa nova, uma música que parecia ter sido criada para ser a trilha sonora das praias cariocas.  Foi inspirado pelo querido botequim que fiz minha primeira letra, para um sambinha de Maurício Tapajós cheio de bossa: “Um chope , no Mau Cheiro.” Já o título estava mais para Bukowski e Kerouac do que bossa nova e todo mundo achou que não cheirava bem. Tentei uma outra, para a mesma música: “Amor de gente moça”, inspirado em um Lp de Sylvinha Telles de bossa romântica que tinha este título. Desta o pessoal (aparentemente) gostou: era uma sucessão de clichês românticos da bossa nova (“as flores não são flores/são amores sem saudade/ são cores feitas de felicidade...”). Como Maurício era filho de Paulo Tapajós, diretor e produtor da Rádio Nacional, vivi a emoção de ouvir nossa música no rádio, ao vivo, com um arranjo para grande orquestra de ninguém menos que Radamés Gnatalli e cantada por sua mulher, Nelly Martins. Ao vivo pela Rádio Nacional, numa noite carioca de verão.  Minha mãe chorou. Nesse tempo, aquela música de praia era chamada pejorativamente de “música de apartamento”, como se fosse uma música restrita e fechada, distante das ruas, apesar de a bossa nova ser um grande sucesso popular, que ia muito além da classe média de Copacabana. Para nós o Rio era a Zona Sul, a praia de Ipanema e os bares de Copacabana. E o Brasil era o Rio e São Paulo e a construção de Brasília. Através de Jorge Amado, Guimarães Rosa e Érico Veríssimo conhecíamos um outro Brasil, de ficção, exótico e atraente, fascinante mas distante. Tão distante quanto os poetas da beat generation americana. Tudo parecia muito longe do Rio de Janeiro no final dos anos 50, mas a bossa nova começava a aproximar os jovens cariocas dos de São Paulo, de Salvador, de Belo Horizonte e de Porto Alegre. O rádio entrava em decadência, o disco e a televisão começavam a crescer no ambiente de liberdade, modernização e entusiasmo dos Anos JK. O apartamento de Nara era um luxo. Imenso, com dois salões envidraçados de frente para o mar de Copacabana. Chamava-se Champs Elysées, era um dos edifícios mais modernos e um dos endereços mais valorizados da cidade. Ipanema era quase só casas e árvores e a Barra da Tijuca era selvagem e inacessível. Chique era a Avenida Atlântica. Chique era a bossa nova. E o cool jazz. E o jazz-samba. Ou samba-jazz. Que para muitos eram praticamente a mesma coisa e assunto para muita discussão na praia e nos bares de Ipanema. As festas se sucediam, mas Tom e João raramente apareciam. Tinham discos gravados, eram profissionais, casados, tinham família para sustentar, trabalhavam. Viviam de música. E nós, para a música. Rock and roll era visto e ouvido entre nós como uma boçalidade, com seus três acordes primitivos, seu ritmo pesado e quadrado e seus cantores gritando e rebolando. Era a antítese da bossa nova e tão desprezado quanto o sambão tradicional. Era coisa de Carlos Imperial e de Jair de Taumaturgo, que movimentavam as tardes cariocas apresentando “Os brotos comandam” e “Hoje é dia de rock” na televisão, com garotos e garotas dançando o novo ritmo e calouros fazendo dublagens de sucessos do rock americano. “Alô, brotos, vamos tirar o tapete da sala... porque hoje é dia de rock!”, comandava Jair de Taumaturgo, veterano disc-jockey de rádio, um animado quarentão de cabeça branca, cercado de jovens no vídeo da TV Rio.  Em casa, diante da televisão, a gente ria. Nos tapetes macios do apartamento de Nara, os brotos comandavam e geravam a música do futuro. Foi onde vi pela primeira vez, tocado por Luiz Carlos Vinhas, um piano elétrico, novidade absoluta. Nara tinha mesmo um look diferente. Parecia meio japonesa, meio índia, meio existencialista francesa, tinha uma voz pequena e tímida e vestia-se de uma maneira cool e moderna, sempre com as saias bem acima dos futuramente célebres joelhos. Nara era o protótipo da “garota moderna”, que não queria saber do luxo e da quadradice da sociedade carioca e estava disposta a quebrar tabus, trabalhar, ser independente, estabelecer novos padrões de comportamento. E de música. Encarnação da bossa nova, mais do que uma voz e um estilo, Nara tinha principalmente o que era mais fascinante no mundo do rock and roll: atitude. Uma atitude bossa nova. O rock parecia não se ambientar bem no calor do Rio ensolarado, sua agressividade e seus casacos de couro não combinavam com o clima relaxado e cordial da cidade nem com seu humor e simpatia. As platéias de Imperial e Jair de Taumaturgo vinham principalmente da Zona Norte e dos subúrbios. As praias da Zona Sul, antes do Túnel Rebouças, eram distantes e de penoso acesso, quase privativas dos locais: os habitantes das favelas da Catacumba, do Morro do Pinto, do Pavãozinho e da Rocinha, que conviviam em relativa paz e harmonia com a classe média de Copacabana e Ipanema, unificados pelas praias e pela paisagem deslumbrante. Para nós o Rio não era rock, era bossa nova. O pequeno estúdio da Rádio Guanabara, no Centro da cidade, se transformava em agitado auditório e se enchia de jovens para o programa “Os brotos comandam”, de Carlos Imperial. Curiosamente, a primeira parte do programa era de mímica. (...) Continua nas Próximas postagem. Fonte: Incerto do livro, Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais, Nelson Motta - Editora Objetiva, 2000 - 461 páginas
Boa leitura - Namastê

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais - Parte I

 Enquanto um grupo cantava numa sala para uma plateia deleitada que se espalhava pelo chão — em festas de bossa nova ninguém sentava em cadeiras —, agindo rápida e sorrateiramente, um comando gastronômico sequestrava o peru assado que dominava a mesa na sala de jantar e sumia na noite. Havia muita gente na festa e o mistério nunca foi esclarecido. Embora quase todos os presentes tivessem um primeiro e óbvio suspeito: o gordo Carlos Imperial. O que fazia Carlos Imperial, cafajeste profissional da temida “Turma da Miguel Lemos” e animador de programas de rock and roll no rádio e na TV, numa festa de bossa nova em Copacabana? A “Turma da bossa nova” detestava o capixaba Imperial, desprezava seus roqueiros de araque, debochava de seus programas de auditório na TV e de suas platéias suburbanas. Mas o gordo não parava de agitar, promovendo shows, lançando cantores, ganhando dinheiro e comendo menininhas. “Meu jovem, belo e querido amigo!” era como Imperial saudava efusiva e invariavelmente amigos e desconhecidos e até inimigos, como uma caricatura de um político profissional, como um vilão de chanchadas da Atlântida. Imperial se defendeu: estava na festa para apresentar seu novo lançamento, um futuro príncipe da bossa nova. E alegando que seu lançamento ainda não havia sido lançado quando o peru foi roubado, o gordo se inocentou. Embora, tratando-se do cínico e debochado Imperial, tudo fosse possível. O cônsul levou na esportiva e diplomaticamente levantou um brinde ao “grande ausente” enquanto os convidados e penetras devoravam os acompanhamentos restantes. Depois do jantar, muita gente saiu, talvez para jantar, e os remanescentes voltaram à sala e se refestelaram no chão com o máximo de informalidade exigida, para uma segunda rodada musical. A turma de Ronaldo Bôscoli, as estrelas aspirantes da bossa nova como Nara e Menescal, já tinham tocado e cantado antes do jantar e todo mundo cantara junto com eles, baixinho, como era de bom-tom. Muitas músicas que ainda nem tinham sido gravadas já eram sucesso no circuito das festas, com muita gente cantando a letra junto. Bem baixinho. Para o segundo tempo, apesar do caso do peru e da subsequente debandada, Carlos Imperial iria encontrar um ambiente propício para seu lançamento: um bom público de jovens senhoras e fartura do que no futuro se chamaria de “formadores de opinião”. Todos espalhados pelo chão, entre almofadas, copos e cigarros. Alguns sem sapato, como recomendava a informalidade da bossa. Olhos e ouvidos descrentes aguardavam a surpresa imperial. Que pilantragem seria aquela? Imperial nunca teve nada a ver com a bossa nova, sacaneava a bossa nova, era do rock and roll. Mas o rock estava demorando a pegar no Rio, parecia não combinar muito com o ambiente de sol e praia, e o gordo, sentindo o potencial comercial da bossa, estava diversificando. Seu pupilo era magro e tímido, com cabelos crespos e escuros e pele muito pálida, tinha olhos profundos e tristes e sorria nervosamente. Quando Imperial, de chinelos e camisa havaiana, bateu palmas e empostou a voz: “Meus jovens, belos e queridos amigos, bossa nova é silêncio. Si-lên-ci-o. E eu peço o silêncio de vocês para apresentar o futuro príncipe da bossa nova.” Acompanhado por Durval Ferreira, o “Gato”, no violão, o jovem conterrâneo de Imperial cantou, com seus lábios finos e um fio de voz, bem afinadinho e até com certo charme, duas músicas de seu mentor, que ele tinha acabado de gravar. O rapaz imitava escancaradamente João Gilberto e a música era uma sub-bossa imperialesca. “Brotinho toma juízo, ouve o meu conselho, abotoa este decote, vê se cobre este joelho, pára de me chamar de meu amor, senão eu perco a razão e esqueço até quem eu sou...” As jovens senhoras adoraram. Foi a primeira vez que ouvi Roberto Carlos.Na febre da Bossa Nova, as academias de violão se multiplicavam pela Zona Sul do Rio e numa delas, na Rua Dias da Rocha, no coração de Copacabana, conheci Wanda Sá, Mauricio Tapajós, Edu Lobo, Marcos Valle e outros, uma nova turma. Era uma casa de vila de dois andares, onde Roberto Menescal, Samuel Eliachar e outros davam aulas de violão e principalmente onde os alunos se encontravam para conversar e tocar. Todos os meus amigos tocavam melhor do que eu, mas era uma felicidade estar entre eles, ouvindo, aprendendo e sonhando. Muitos dos alunos da academia logo se tornavam professores: os mestres iam ficando com as agendas lotadas e cada vez mais garotos e garotas queriam, precisavam aprender a tocar violão. (...) Continua nas Próximas postagem. Fonte: Enserto do livro, Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais, Nelson Motta - Editora Objetiva, 2000 - 461 páginas
Boa leitura - Namastê


domingo, 24 de outubro de 2010

Manifesto Anjos & Demônios in Chet

“Quando eu tinha 13 anos,papai chegou em casa com um trombone. Eu era pequeno para minha idade e não consegui alongar os dedos até a vara do instrumento. Duas semanas depois o trombone desapareceu, e surgiu um trompete, muito mais adequado ao meu tamanho”.

“Penetrando na escuridão do clube, vi Bird voando no céu de blues. Fiquei sentado olhando o redor(...) fiquei sem graça e muito nervoso quando ele perguntou se eu estava no clube e poderia tocar alguma coisa com ele, ele tinha pulado todos aqueles caras alguns com mais experiências capazes de ler qualquer coisa. Tocamos dois temas (...) depois de 'Cheryl' ele anunciou que a sessão estava encerrada “.

Chet Baker
- Memórias Perdidas, Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editores-2002.
Boa Leitura - Namastê.

domingo, 9 de maio de 2010

Mil faces de Chet Baker

Chesney Henry Baker Jr. ou simplesmente Chet Baker (1929-1988) foi o Miles Davis branco. Não só em termos de sonoridade e pungência melódica, soprando o trompete ou o flugelhorn, mas também de culto paradoxal do herói que se deixa tragar pela vida, na base do "Let’s Get Lost", do mesmo modo que Scott Fitzgerald, Bix Beiderbecke ou Charlie Parker. Entre o “James Dean” que apaixonava as teenagers dos anos 50 e 60 e o erodido rosto do dependente de drogas pesadas que despencou para a morte do segundo andar de um hotel em Amsterdã em 13 de maio de 1988, houve muitos Chets. “Ele surgiu para nós como um mistério e foi-se como um mistério” – escreveu o discógrafo dinamarquês Hans Lerfeldt. “Na primavera de 1959, meu caso de Nova York veio à tona e peguei seis meses de prisão na ilha de Rikers. Passei 10 dias na enfermaria, antes de ser integrado à “população”. Recebi a tarefa de instrutor no departamente de música. Havia lá uns outros 12 músicos. Ficávamos o dia todo no ginásio – ensaiando ou jogando basquete. De noite na ala das celas, jogávamos pôquer, xadrez, bridge, líamos ou assistíamos a uma dupla de grandes dançarinos; lembro-me de que um deles era chamado de “Baby Lawrence”. Fui libertado em quatro meses (bom comportamento) e parti imediatamente para a Europa. Halema e Chetie foram comigo. Participei do Festival de Comblain La Tour, e viajei para Itália. Comecei a tomar Jetrium, um remédio alemão que não precisava de receita. Voava de Milão para Munique sem bagagem, enchia os bolsos do meu pesado sobretudo com caixas de Jetrium injetável (efeito duplo, 13,5 miligramas por centímetro cúbico) e voltava à Itália. Jetrium era a coisa mais próxima de heroína que eu havia encontrado mas logo fui ficando resistente à droga pois estava usando de 1000 a 1200 miligramas por dia. Fiquei em péssimo estado – branco como giz, sem fome e tendo calafrios terríveis e freqüentes. Meus amigos me convenceram a procurar um médico. Depois de me examinar e analisar o doutor me deu quatro ou seis meses de vida se continuasse a tomar Jetrium. Falei com o pessoal do lugar onde estava trabalhando, chamado Santa Tecla e internei-me na clínica de Villa Turo em Milão para uma sonoterapia. Dormi durante 7 dias, alimentado, intravenosamente, por enormes garrafas penduradas em cima de mim. Passei a me sentir muito bem e consegui – com a ajuda do consulado americano – sair trinta dias antes do previsto. Retornei ao Santa Tecla e certa noite conheci Carol. Ela trabalhava no Olympia, um dos maiores clubes do mundo (1600 lugares) como uma das quatro apresentadoras (cada uma anunciava um segmento do show). De vez em quando eu pegava meu Alfa e corria para o Olympia, entre os sets, só para zanzar entre os bastidores. Era uma coisa de louco! Havia um montão de moças indo e vindo, escassamente vestidas. Era o máximo! Gamei por Carol, e ela deixou o show para viajar comigo. Os jornais italianos fizeram a maior fofoca comigo e Carol. Halema mandou Chetie para a casa dos meus parentes e ficou me seguindo por uns tempos. Tínhamos cenas terríveis nos clubes quando ela aparecia. Passei a procurar médicos diferentes a cada semana para obter receitas. Tinha um bom médico logo do outro lado da fronteira, na Suíça. Mas procurava manter meu vício sob controle. Quando estava trabalhando no La Bussola, um clube bacana e caro, de alto nível, na praia de Focette, a menos de dois quilômetros de Viareggio, conheci o dr. Lippi Francescomi. Ele era diretor de uma pequena clínica em Lucca. Instalei-me na Clínica Santa Zita e fiquei tomando grandes doses diárias de vitaminas e outros medicamentos, mais doses decrescentes de Palfium. Nessa época, estava ficando muito difícil me picar – as veias, baleadaças, estavam desaparecendo. O dr. Francesconi levou-me ao clube todas as noites, esperava que eu tocasse e voltava comigo para a clínica. Carol e eu nos encontrávamos noite após noite. Tínhamos um quarto numa pensione, a Villa Gemma. O gerente tentava me ajudar. Antes do meu retorno à clínica; tinha um médico que receitava Palfium para mim, em seu nome. Um outro bom amigo, um advogado em visita à Itália, também me arranjava receita. Uma vez, tive de ir ao clube durante o dia. O dr. Francesconi não podia sair comigo; aluguei um Fiat e fui para a praia. Parei num posto de gasolina a fim de me aplicar uma injeção. Demorei uns quarenta e cinco minutos para fazer a cabeça. Havia acabado de me recuperar e já ia sair, quando bateram na porta. O frentista chamara a polícia. Tive de ir com eles até a delegacia. Ligaram para o dr. Francesconi, que explicou a minha situação e me levou de volta à clínica. No dia seguinte, a manchete do jornal local foi CHET BAKER PRESO EM BANHEIRO DE POSTO DE GASOLINA. A notícia ia em frente: a polícia teria derrubado a porta, o banheiro estava coberto de sangue etc etc. Um jovem procurador chamado Romiti, depois de ler a reportagem abriu uma investigação. Depois de checar todas as farmácias da área e examinar todas as receitas de Palfium, prendeu meu amigo e advogado Joey Carani; o gerente da pensione; um médico de nome Bechelli; e o dr. Francesconi. Viajou então para Milão a fim de interrogar Halema. Mas como estava fora de sua jurisdição, mentiu para ela, pedindo-lhe que fosse até Lucca para um minucioso depoimento. Halema foi e assim que chegou, foi presa também. Naturalmente, fui o primeiro a ser encarcerado. Puseram-me na enfermaria por dez dias e depois num quarto isolado, onde passei os seis meses seguintes. Ninguém falava uma palavra de inglês. De noite, eu podia ouvir Halema do outro lado do pátio, chorando e chorando. Fomos julgados seis meses depois. Halema, Joey, Francesconi e o gerente do Gemma foram inocentados. Só eu e Bechelli continuamos presos. Becheli pegou dois anos porque me cobrava dez mil liras por receita e eu dezoito meses por uso ilegal. Apelamos, três meses depois das sentenças: o médico foi libertado e a minha pena reduzida para quinze meses. Carol ficou na Itália até o fim do julgamento acompanhada da mãe e depois as duas voltaram para a Inglaterra. Ela me escrevia diariamente. As cartas chegavam até nos domingos. O capelão da prisão, padre Ricci era encarregado de ler toda a correspondência que eu recebia ou enviava. Assim é que as cartas que Carol recebia eram todas riscadas com tinta preta. Cheguei à conclusão de que aquele padre bobo censurava quase tudo ao acaso, para não admitir que não sabia ler inglês. Ele também arrancava as páginas com fotografias da Playboy, que Carol eventualmente me enviava. Passado o julgamento, deixaram-me trabalhar na oficina de encadernação de livros. O único ocupante do lugar era um combatente da resistência iugoslava, um baixote que sobrevivia, desde o fim da guerra, fazendo-se passar por oficial, penetrando em bases militares e surrupiando armas e munições. Ele estava preso há quarenta e quatro meses, à espera de julgamento. Jogávamos xadrez o dia todo ao mesmo tempo em que ele restaurava e encadernava livros. Eu ficava só olhando. À noite, ele costumava cozinhar um panelão de molho de espaguete num fogãozinho elétrico ilegal, que ao ser ligado, fazia cair a luz na prisão toda. Acabei ficando íntimo de dois guardas. Um deles, um tal de Peccora, deixava eu ficar sozinho com Carol na sala de visitas. Era ótimo. Duvido que alguém possa ter idéia de como é bom um pouco de sexo até ficar enjaulado por alguns meses. Os guardas acabaram descobrindo nosso fogãozinho e minha missão passou a ser a de providenciar comida e outras encomendas dos presos. Semanalmente Carol mandava-me entre quinze e vinte livros e eu lia à beça, até altas horas da noite com ajuda de minha lâmpada de cinco watts. Eu tinha o meu trompete e tocava algumas horas por dia. Escrevi trinta e duas músicas e o tempo passou rapidamente. Quando fui solto, falava italiano fluentemente e já havia sido sondado ainda na prisão por uma companhis cinematográfica de Roma. Assinei um contrato, cedendo-lhes os direitos de um filme sobre mim para o qual eu faria a trilha sonora. Recebi um adiantamento de 3000 dólares com a promessa de ganhar um total de 25000 quando o filme estivesse pronto. O mesmo jornal que publicou minha prisão com estardalhaço deu também destaque à minha soltura. Os fotógrafos foram atrás de mim e de Carol, clicando suas máquinas centenas de vezes.. Muitas dessas fotos saíram nas revistas de escandâlos italianos com histórias fantasiosas. A RCA italiana enviou a Milão um representante para assinar comigo um contrato de gravação de alguns daqueles temas escritos na prisão. As letras seriam escritas depois. Eu e Carol fomos para Roma num novo Alfa SS, e ficamos num pequeno hotel em Parioli. Vagabundeamos durante algum tempo depois da sessão de gravação à espera do que ia acontecer com o filme. Não deu em nada. E voltei ao trabalho na Itállia. Contratei René Thomas e Bobby Jaspar para o meu conjunto. Eram grandes instrumentistas mas detonados pela droga. Na época Bobby estava usando Ritalin e René andava sempre atrás de heroína. Quando tocamos num clube de Nápoles algum filho da mãe furtou meu instrumento durante um intervalo. Imaginei que fosse porque costumavam me chamar de “Trombo Doro” e o cara que levou o trompete...deve ter achado que ele era mesmo de ouro bruto. Os sete meses seguintes foram bons pra mim. Oriana Fallaci escreveu uma grande matéria na L’Europea e apareci num filme italiano, Ulatori Alla Sbarra, em que fazia o papel de um malandro que ocasionalmente, despertava de sua letargia para cantar uma música – quando não estava rodando por Roma em uma Vespa. Em 1961 teve início uma nova onda no cenário mundial de Roma. Em muitos restaurantes apareciam poetas recitando suas novas obras, às vezes com acompanhamento de flauta ou de percussão. Nunca entrei muito nessa onda. Fiz várias trilhas sonoras para documentários produzidos pelo governo italiano, alguns com trompete e percussão, outros só com trompete. Eu simplesmente ficava vendo o filme rodar e tocava o que me viesse á cabeça. Ao retonar a Milão, Nando Lattanzi arranjou-me uma noite de jazz no Olympia que foi um enorme sucesso....”
Textos retirados do livro “Memórias Perdidas”, por Chet Baker.

domingo, 12 de abril de 2009

King of Blue- Suprassumo do Cool

Kind of Blue - A História da Obra-Prima de Miles Davis”, do jornalista e produtor de rádio Ashley Kahn é um livro essencial para quem curte jazz ou quer na essencia aprecia uma boa música. Lançado em 17 de Agosto de 1959 pela Columbia Records, tanto em mono como em estéreo feitas no 30th Street Studio (uma antiga igreja armênia transformada em estúdio) na cidade de Nova York em 02 de Março e 22 de Abril de 1959. Kahn já havia escrito sobre o tenorista John Coltrane e da gravadora Impulse (lar temporário de muitos músicos, como de Mingus, Rollins & outros), foi colaborador da Rolling Stone Jazz & Blues Album Guide. Kind of Blue para muitos é o disco definitivo de Miles Davis no conceito jazz modal, referencia revolucionaria, dando mais liberdade aos músicos. E para Kahn foi o mais importante. Não sei dizer mas entendo sua importância e sua influência ao que veio depois de forma substancial na fervida sonoridade de Cannonball Adderley, a impressionnte agilidade de Bill Evans, os solos precisos de Coltrane. Três elementos que solidificaram a partir das sessões de gravação do fantástico álbum em questão nomundo conceitual do jazz. Isso sem desprezar Wynton Kelly, o pianista que participa de apenas uma faixa do disco (Freddie Freeloader) e Paul Chambers, no baixo. Ainda Jimmy Cobb, um baterista de excelência, o único músico participante daquela sessão que ainda respira. As narrações das sessões de gravação têm sabor, as informações sobre o jazz modal são preciosas. Os diálogos entre os músicos, as interferências do produtor, o temperamento de Miles, as fotografias, as ilustrações - tudo colabora para que a leitura seja agradável até para aqueles que consideram o jazz música inacessível. Até para aqueles que a consideram “música para músicos”. Ashley Kahn enfentou um ardo trabalho. Pesquisou afundo, teve acesso a informações que até então, eram exclusivas dos porões da Columbia Records. O que para muitos é a mesma coisa que dançar sobre arquitetura sem flerta com a historia, Kind of Bue derama um banho de agua fria nas cabeças dos menos apreciados. Se é para misturar as artes numa estranha sinestesia, pode-se afirmar que Miles criou um monumento. Sua música é sólida como um monolito ao mesmo tempo que suave como sopro de criança. O livro saiu pela Editora Barracuda e sua tradução nas maõs de Patrícia de Cia e Marcelo Orozco (excelentes tradutores) . Curiosidades do album: Em 2002, Kind of Blue foi uma das 50 gravações escolhidas para o Registro Nacional de Gravações da Biblioteca do Congresso Americano. Em 2003 o álbum foi classificado em 12º lugar pela revista Rolling Stone na Lista dos 500 melhores álbuns de sempre. Em 30 de Setembro de 2008 uma caixa do 50º aniversário de lançamento do álbum foi lançada pela Columbia/Legacy Records. Uma edição luxuosa e limitada com 2 CDs - álbum original mais takes alternativos, sequências de estúdio da sessão de 58/59 mais 17 minutos do “So What” ao vivo na Holanda -1960. Um DVD – Documentário a preto e branco (55 minutos), um Livro de 60 páginas, capa dura, um vinil 12´ (LP) - 180gr Azul, um Poster 22X23 de Miles Davis, tres páginas com notas de Bill Evans mais Reprodução da brochura original de 1959 da Columbia e fotos. "Reconhecido como o ápice do moderno, ‘Kind of Blue’ foi o álbum que inaugurou uma era, e não apenas no jazz. Sua introdução etérea com baixo e piano é reconhecida universalmente". -
Ashley Kahn.

Boa leitura - Namastê.

quarta-feira, 25 de março de 2009

A Love Supreme – A Criação do Álbum Clássico de John Coltrane - 2002

Há músicos que não bastassem ser exímios intérpretes de seus instrumentos, criam sua linguagem, inovam, rompem fronteiras e projetam sua influência para além de suas próprias vidas. O saxofonista norte-americano John Coltrane (1926-1967) foi um destes talentos e um dos grandes momentos de sua inventividade e virtuosismo está no álbum A Love Supreme, lançado em 1965. O disco é considerado por muita gente – muita mesmo – como sua obra-prima. Lançado em 2002 nos Estados Unidos e em 2007 aqui no Brasil pela editora Barracuda, A Love Supreme a Criação do Álbum Clássico de John Coltrane, do jornalista, produtor e professor americano Ashley Kahn, não só traz minúcias sobre a gravação do famoso álbum como reúne importantes dados biográficos e profissionais de Trane em toda a sua trajetória. Kahn também é autor de outro livro sobre um disco não menos importante do jazz: A Kind of Blue, do trompetista Miles Davis. Não vou entrar em detalhes sobre os escritos de Kahn sobre Trane, mesmo porque são muitos. Melhor mesmo é se debruçar sobre a publicação e se deleitar com informações sobre as gravações, o clima em que ocorreram, técnicas usadas e várias novidades. Ashley dedica páginas a falar do excelente momento pessoal pelo qual John Coltrane passava quando gravou A Love Supreme, livre das drogas e mergulhado na espiritualidade. O A Love Supreme do título (amor supremo, em português) é uma oferenda e um agradecimento do instrumentista à sua concepção do Deus Todo Poderoso. De certa forma o álbum representou um retorno às suas raízes religiosas. Religioso ou não, impossível um ouvinte manter-se insensível às quatro fenomenais partes da música, de uma beleza de improvisos, harmonias e melodias de ímpares. Por um lado, além do espiritual, o álbum significou um rompimento de barreiras que sinalizaram para os caminhos de liberdade musical que ele tomaria a partir de então, chame-se isso de Avant-Garde, Free Jazz, New Thing ou o que seja. Não à toa, os rumos explorados por Trane serviram de referência naquele momento em que se clamava por caminhos mais justos nos Estados Unidos. Coltrane e sua arte viraram um dos símbolos na luta de ativistas políticos, jazzistas experimentalistas, roqueiros e vários outros. Kahn ainda enfoca figuras centrais no álbum, como os instrumentistas do famoso quarteto de John, o pianista McCoy Tyner, o baixista Jimmy Garrison e o baterista Elvin Jones, com o produtor Bob Thiele e o engenheiro de som Rudy Van Gelder. Fora todo o manancial de textos sobre A Love Supreme, o livro narra momentos importantes de Coltrane que precederam o revolucionário álbum, como a fase tumultuada e ao mesmo tempo extremamente produtiva do ponto de vista musical em que integrou a banda de Miles Davis, com o qual gravou discos como Kind of Blue. O autor escreve também com destaque sobre os rumos tomados depois do disco que é considerado sua obra-prima, em que seguiu pela estrada do free jazz, com a colaboração de músicos como o saxofonista e flautista Pharoah Sanders, até sua morte, vítima de um câncer de fígado. Com base em pesquisas e depoimentos com músicos que tocaram com Coltrane, de familiares, como a pianista e esposa Alice Coltrane, falecida recentemente, e até de roqueiros como Patti Smith, Carlos Santana e Bono, Ashley Kahn traça um painel do enorme leque de seguidores do som do saxofonista. Destacaria ainda informações do livro como a existência de uma segunda sessão de A Love Supreme, nunca lançada, que contou com a participação do saxofonista Archie Shep e do baixista Art Davis, e a única performance completa da peça, na cidade francesa de Antibes, em 1965. Alías, o material do show na Riviera Francesa saiu em CD. A peça tem 48 minutos, 18 a mais que a versão de estúdio. Gostaria de agradecer aos meus amigos Alessandro, Tatiana, Luci, Clara, Heloísa, Giovana, Márcia e Regina por terem me presenteado com esse excelente livro, uma viagem informativa e emocional na arte de um dos gênios imortais da música. Salve, Coltrane!
As fotos foram tiradas pela Enid Farber Fotography na noite do dia 11 de Dezembro de 2002 - NYC, no lançamento do Ashley Kahn's Making Love Supreme, livro com tragetoria e desempenho do album A Love Supreme de John Coltrane. Uma leitura obrigatoria pra que gosta ou deseja conhecer o perfil de um dos clsssicos do jazz. Fonte: Tijoloblog (Livro aborda obra-prima de Coltrane, por Marcelinho 31/07/2008) . Boa leitura.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Chet Baker - A Longa Noite de um Mito

Chet Baker - A longa noite de um mito (Chet Baker - La Lunga notte di un mito - James Gavin (Ed. Baldini & Castoldi - 2002).
James Gavin reconta, nesta biografia um completo compedio da vida mal estruturada do musico branco, de siluetas mediana e uma forma de tocar jazz na mais requintada e encantadora obra do trompetista Chet Baker. Desde o início dos anos 50 que o rapaz se tornou um símbolo romântico, espiritualmente através de suas notas na corrente típica de Cool-jazz, West-Cost, fervilhando na sombra de distaque em outras forma de tocar trompete. Sua natureza inquieta e ao mesmo tempo hiper-sensível, o levou inevitavelmente a uma constante necessidade de fuga, fugir da responsabilidade e do mundo. Músicas e drogas eram para Chet mundos em que se admite uma combinação, tornar-se um ícone para todos os mitos da American rebeldes. A obra de James Gavin, feito através de uma minuciosa investigação e apaixonada linha de pesquisa, traça centenas de fontes inéditas e entrevistas não disponíveis anteriormente e em seguida, coloca fora do registro histórico da vida do trompetista uma extraordinária relação ao contexto social e político daqueles anos. Alguns enigmas apresenta soluções enquanto outros são especulações mal resolvidas ou foram divulgados de forma maldosa sem preceito. Um classico exemplo é o mistério ligado à sua morte (ocorrida em Amesterdão em 1988). O biógrafo explora com mastria o nascimento essencial melancolia, gosto zen, recheiada de misteriosios e sedução que trouxe Baker para o sucesso. É importante destacar a irônica parábola da sua vida, suas doces melodias e paradisíaca fases, única forma de sublimação do inferno que sentia dentro de si. A droga se tornou para Chet uma meia final e ao mesmo tempo, um equilíbrio instável entre si mesmo e o mundo, calcando um beleza finita, mencionado o preço instavel de um homem que vivia na orla semper oscilante entre o céu e o inferno, bem e mal, vida e morte. Gavin arrastar-nos entre os eventos sempre vivos, com interesse para descobrir a espiral de dependência quimica de Baker, destruindo não só a si, mas todos os que estiveram a sua volta (mulheres, músicos, amigos). A biografia vai além do puro discurso histórico, objetivo, mas através de uma crítica aguda, apresentando destaque a condição pós-guerra americano no nos anos '50 até o final '80. Um relato audacioso pra entender o porque de Chet preferir as drogas em conta partida, pagando o preço de inspirações ao longo de sua brilhante carreira.Uma boa leitura para que quer aprofundar sobre Chet Baker.

sábado, 29 de novembro de 2008

Roberto Muggiati - Improvisando Soluções

ENTREVISTA EXCLUSIVA - Roberto Muggiati

O blog JazzMan! tem a enorme honra de entrevistar o jornalista Roberto Muggiati, um dos mais importantes escritores e historiadores de jazz em nosso país.


Por Leonardo Alcântara (JazzMan!)
Colaboração: Fernanda Melonio e Vagner Pitta

O jornalista curitibano Roberto Muggiati tem sido nos últimos anos uma verdadeira autoridade no que tange à difusão do jazz entre os brasileiros. Com diversas publicações sobre o gênero, Muggiati consegue mostrar ao leitor, com uma linguagem agradável e elegante, que o jazz não é nenhum bicho de sete cabeças e que está além de um simples gênero musical, podendo ser utilizado como fonte de inspiração para diversas situações e decisões ao longo da vida.

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Esta idéia é reforçada em seu último lançamento Improvisando Soluções: o Jazz como Exemplo para alcançar o Sucesso (Best Seller, 2008), onde o escritor cita diversos exemplos de jazzistas que superaram as mais variadas adversidades para impor a sua arte. Superação e improviso fazem parte da história e da estética do jazz, onde seus vitoriosos protagonistas transformaram vivências e sentimentos em uma arte espontânea, que permanece viva há mais de um século.

Roberto Muggiati estará no dia 05/12, em Curitiba, sua cidade-natal, para o lançamento do livro Improvisando Soluções: o Jazz como Exemplo para alcançar o Sucesso. Antes disso, ele generosamente nos concedeu a entrevista abaixo.

JazzMan!: O que foi que te chamou a atenção no jazz? Como foi o processo até se tornar um dos grandes escritores brasileiros do gênero?

Roberto Muggiati: Com pouco mais de dez anos de idade, ao ouvir naquelas velhas bolachas de 78 rotações-por-minuto os sons de Art Tatum, Nat King Cole, Louis Armstrong e Duke Ellington, percebi que aquela música era diferente das demais — era mais viva, mais inteligente, menos previsível e programada. Daí para o bebop de Charlie Parker e Dizzy Gillespie, para as invenções pianísticas de Bud Powell e Thelonious Monk, para o saxofone cool de Lester Young, foi a descoberta do jazz moderno, complementado depois pela escola da Costa Oeste (Stan Getz, Gerry Mulligan e Chet Baker, Shorty Rogers e seus grupos, a orquestra de Stan Kenton).

Como escrevia desde pequeno, a carreira enveredou para o jornalismo (e depois para os livros) e escrever sobre jazz — a música que amava acima de todas, foi um passo natural.

JM: Desde 2005 estamos tendo uma onda crescente de festivais de jazz pelo país. Os Festivais de Ouro Preto e Rio das Ostras já são reconhecidos como alguns dos melhores do mundo. Você acredita que prefeituras, produtoras e empresários estão descobrindo o poder do jazz?

RM: Com certeza. Você já ouviu falar dos festivais de Manaus, de Guaramiranga (no Ceará), de Joinville (Santa Catarina) e dezenas de outros “pocket festivals” nas capitais do Brasil. A maioria conta com patrocinadores públicos ou privados, indicação de que os marqueteiros descobriram finalmente o poder de penetração do jazz e a sua marca de qualidade e sofisticação.

JM: Como você avalia a difusão do jazz no Brasil?

RM: Ainda é pequena, apesar dos sites e blogs que existem. Mas publicações especializadas são raras, ou sazonais. Se você se der conta de que uma revista de uma grande editora sobre rock – a Bizz, da Abril – deixou de circular, a situação é ainda mais difícil para o jazz. Mas, graças principalmente à internet, o jazzófilo – como o jazzista – sabe se virar e encontra suas fontes de informação.

JM: No livro New Jazz: de volta para o futuro, você escreve a respeito de músicos que ficaram conhecidos como os Young Lions, surgidos nos anos 80 e 90 com a proposta de preservar uma tradição jazzística. Quais as diferenças entre essa geração mais recente e as anteriores, das décadas de 60 e 70, e quais as contribuições dos Young Lions para o futuro do jazz no século XXI?

RM: A geração dos irmãos Marsalis & Cia teve mais acesso do que as anteriores ao aprendizado não só do jazz, como da música em geral. (Muitos, como Wynton e seu irmão saxofonista Branford, são também exímios executantes do repertório erudito). Mas esta geração – embora toque admiravelmente bem – se viu condenada a uma releitura de todas as escolas do jazz que a antecederam, sem a capacidade de criar algo “novo”. (Este problema da criação do “novo” se aplica também a todas as outras artes: pintura, literatura, teatro, etc. — é uma espécie de característica da época, um momento, talvez, de apreender tudo o que já foi feito antes de começar algo novo, um momento de espera).

JM: O crítico inglês Stuart Nicholson, em seu livro Is Jazz Dead? (Or Has It Moved to a New Address), gerou polêmica ao dizer que o jazz europeu detém os reais inovadores do jazz contemporâneo, pois essa geração de Wynton Marsalis cristalizou o jazz em uma música baseada no tradicionalismo e esqueceram da necessidade de criatividade e inovação. Você concorda com as palavras de Nicholson?

RM: Nem o jazz morreu, nem se mudou para um novo endereço (a comunidade dos euros). Podemos dizer que se espraiou por uma série de novos endereços e, registre-se aí, além da contribuição européia, as contribuições latino-americana (Brasil, Argentina, Cuba, México), asiática (Japão, China, etc), africana e por aí vai.

JM: Como você avalia os músicos que surgiram a partir dos anos 2000? Qual a proposta da nova geração?

RM: É uma geração pulsante de talentos, experimentando todo tipo de formatos musicais e explorando todas as possibilidades no campo da instrumentação. A meu ver, um fato importante é a ascensão da mulher, não mais presa ao papel da crooner, mas competindo com os homens em instrumentos “viris” como o contrabaixo, a bateria, o trombone e o saxofone. Sem mencionar que a grande band-leader e orquestradora da década é uma mulher, Maria Schneider.

JM: Fale-nos um pouco sobre o Improvisando Soluções, seu mais recente livro. Como surgiu a idéia de escrevê-lo?

RM: Como eu relato no próprio livro, a idéia tomou corpo a partir de um curso que dei em Porto Alegre em fevereiro de 2006, no Espaço Cultural Santander, sobre os Cem Anos do Jazz, três palestras de três horas que tiveram a ocupação da sala completa, incluindo homens e mulheres nas faixas etárias de 16 a 80 anos. A receptividade deste público de quase cem pessoas me despertou a idéia de escrever um livro sobre “vivências do jazz”, sem elaborar demais na parte técnica ou musical, mas enfatizando as lições de vida dos mestres do improviso.

JM: Neste livro, você relata uma passagem em que o jazz o salvou de um suicídio. Em algum outro momento o jazz o influenciou em outras decisões importantes?

RM: Não só nesta ocasião crítica, mas em situações do dia-a-dia, o jazz sempre contou muito em minha vida — na tentativa de tocar saxofone, estudando dez anos com o Mauro Senise, como na cobertura de shows e festivais, na descoberta de novos álbuns dos grandes mestres e também de músicos “menores” porém altamente significativos. O jazz sempre atuou no meu mecanismo de memória como a famosa “madeleine” proustiana, cada época ou momento de minha vida amarrado a esta ou aquela música. Basta ouvir hoje, por exemplo, Sarah Vaughan cantando Over the Rainbow acompanhada do saxofonista Cannonball Adderley que eu viajo na máquina do tempo até aquele ano mágico de 1958, meio século atrás, e revivo exatamente o que eu fazia, o que eu sentia na ocasião.

JM: Você cobriu o Festival de Montreux (1985 a 1988) e a maioria das edições do antigo Free Jazz. Quais as lembranças mais marcantes destes festivais?

RM: Existem os punti luminosi, como as apresentações de Hermeto e o dueto de Hermeto com Elis (1979), de João Gilberto (1985), a volta de Miles Davis aos palcos (1985), tudo isso em Montreux, a big band de Gil Evans no Hotel Nacional, o show grátis de Sonny Rollins no Parque da Catacumba, no Rio, a entrevista exclusiva de uma hora com Chet Baker e sua apresentação no primeiro Free Jazz, em 1985; a Mingus Band com Elvis Costello no MAM; ali mesmo, o conhecimento dos novos talentos de Terence Blanchard, Nicholas Payton, James Carter, John Pizzarelli, a comovente apresentação de Michel Petrucciani no Hotel Nacional; e, também ali, a do veterano violinista Stephane Grappelli; a maestria de veteranos como Lee Konitz, Art Farmer e Johnny Griffin. Rever Griffin (no Rio) e Dexter Gordon (em São Paulo 1980 e Montreux 1986) foi viajar de volta a Londres em 1962-63, quando eles passaram cada um um mês inteiro no Ronnie Scott's Jazz Club. Dizzy Gillespie e sua United Nation Orchestra no Free Jazz. Enfim, são momentos marcantes de música, que a gente não esquece jamais.

JM: Uma última pergunta para descontrair: no hino do Flamengo há os versos que dizem: "Eu teria um desgosto profundo/Se faltasse o Flamengo no mundo...". Se fosse o jazz que faltasse, como seria?

RM: Eu teria um desgosto profundo se o jazz faltasse, mas isso nunca vai acontecer. A propósito, há uma cantoria que rola nos estádios brasileiros entre as torcidas que é puro jazz, o refrão de When the Saints Go Marchin' In — tararará, tararará, tararará-rá-rá-rá-rá, tarará, tará, tarára, tarará, rá-rá-rá-rá! Repito a você a pergunta que até hoje ninguém me respondeu: como foi que está canção de New Orleans veio parar nas arquibancadas do Maracanã? Tenho a minha teoria: ela chegou através das charangas, aquelas bandinhas de torcida, como a famosa banda do Bangu e a Charanga do Flamengo, que captaram When the Saints através de discos ou até através das apresentações pela rádio e TV do incrível Booker Pitman. É um mistério digno de uma profunda pesquisa. Quem se habilita? JM

Título: Improvisando Soluções
Autor: Roberto Muggiati
Editora: Best-Seller
Ano: 2008
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