sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O Fim Incondicional do Que Ficou em Forma de Canção

A cerimônia fúnebre ocorreu em 21 de Julho de 1959 na igreja de St. Paul na Avenida Columbus. Nem todas as três mil pessoas presentes conseguiram entrar na igreja. Seiscentas ficaram de foram portando-se com o maior recolhimento. Uma missa de réquiem difundiu seus acordes trágicos ate a rua. O coro da igreja quase desaba ao peso das flores e Billie se encontrava em um ataúde aberto. Ela estava bela, todos podem ver. E sem duvida todos os que a contempla pela ultima vez escutam ressoar dentro deles pelo menos uma melodia conhecida. Porque a maioria das canções de Billie se transformou em sucessos. Seus amigos custaram muito a crer na realidade de sua morte. Ela parecia indestrutível. Muitos pensam que ela tinha abandonado a luta porque não tivesse coragem para enfrentar o que a esperava, a vergonha de uma condenação, o horror de uma nova prisão. Ela foi enterrada no cemitério de St. Raymond, no mesmo túmulo de sua mãe Sade. Certamente era o que ela teria querido. Um ano depois, alguém observou que não havia lapide sobre o local da sepultura. A revista Downbeat lançou uma subscrição pública para lhe oferecer uma estrela funerária, mas Loius McKay exigiu que os donativos fossem devolvidos. Em 1960 o ataúde de Billie foi exumado e colocado em uma tumba separada. “Á minha esposa bem-amada Billie Holiday, Lady Day, 07 de Abril de 1915 – 17 de Julho de 1959”. Apoiando-se no argumento de que ela havia vendido todos os seus “valores” para comprar droga, Loius McKay estabeleceu que os haveres de Billie se elevassem no total de 1.345 dólares. Ela morreu sem um centavo e intestada, porque acreditava firmemente que fazer um testamento lhe daria azar... Embora ela tivesse iniciado um processo de divorcio em 1958. Loius McKay permanecia seu único herdeiro do ano de 1959, o montante dos direitos artísticos sobre as vendas de seus discos ascendia já a cem mil dólares. Entre Zaidins, Glaser e Loius McKay ocorreram disputam nojentas em relação a dinheiro. Cada um reclamava somas devidas a título de adiantamento ou de honorário, cada um pensava que tinha direito sobre seu livro autobiográfico. Mas foi finalmente Loius McKay quem recebeu o título de executor da sucessão de Billie da qual foi o único beneficiário. Os discos de Billie continuaram a vender. As vendas foram aumentando sensivelmente a cada ano que se passava até a explosão do disco compacto em que todas as suas gravações foram reeditadas. Mesmo que não tenha atingido o grande publico da mesma forma que Ella Frizgerald conseguiu fazer, Billie sempre teve seus aficionados cujo circulo aumentou ainda nos dias que correm. Os que escutavam Billie pela primeira vez não são necessariamente seduzidos logo de saída. Sua voz não nos atinge de imediato por suas qualidades exteriores. Sua arte é mais complexa, mais edifício de abordar, porque é mais ambígua. Tal como o poeta francês Paulo Élouard (Eugênio Grindel dito Paul Élouard 1895-1952) – que “dava a ver”, a densidade emocional de Billie “dá a sentir”. Não é tanto sua voz que se deve escutar, mas sim seu coração. O que ela tinha a compartilhar era um domínio mais sombrio e mais secreto que o de suas coirmãs cantoras. Suas canções refletem suas felicidades e suas desilusões, sua busca de amor ou sua renúncia. Elas falam de amor, mas à flor da pele. E, se elas nos tocam tão profundamente é porque elas exprimem de forma subjacente a força da sexualidade que liga uma mulher a um homem, a loucura e a fragilidade de um relacionamento amoroso. Em cada canção há uma mistura sutil de diferentes estados de alma. Billie nunca está totalmente alegre, inteiramente amorosa ou completamente abandonada. Sua verdade é bem mais complexa. – Me parece que ninguém canta como eu a palavra“fome” ou “amor” – disse ela - sem duvidar porque eu sei o que há por trás destas palavras . Ela tinha verdadeira fome de amor. Billie Holiday suscitou tantos mitos que todo esforço para esclarecer sua vida depende de interpretação. Os depoimentos iluminam alguns aspectos de sua personalidade e são desmentidos por outros, os relatos são abundantes e se contradizem. Ela mesma apagou as pistas e queimou sua casa depois de ter saído dela. Algumas vezes por puro tédio. Mas também porque o que ela havia vivido lhe era agora insuportável. Desde a infância ela fantasiava para transformar esse mundo que a havia maltratado tanto. Seus excessos, o desprezo por seu próprio corpo coloca em evidência a separação da realidade cortada por ela mesma. Sem duvida ela era uma fabulista, mas suas mentiras eram ”sinceras”. Ali estavam elas para expressar o indizível ao mesmo tempo em que o mascaravam. O que é marcante também são as fotografias de Billie, tão diferente umas das outras. Ela não é nunca a mesma mulher. De uma foto para outra, quase não dá para reconhecê-la. Magra ou gorda, radiante ou devastada. Evocam forças ou pura vulnerabilidade, nunca se pode dizer com exatidão: “Esta é realmente ela...”. Ficamos a nos indagar do que é feito seu talento, por que suas canções tristes nos comovem tanto. Talvez porque a esperança transparece através delas. Contra tudo e contra todos. Billie descreve o sonho de sua vida: “Uma grande fazenda no campo em que eu vou cuidar de cães abandonados e de órfãos, garotos que não pediram para nascer, que, sobretudo não pediram pra nascerem negros, azuis ou verdes. Eu queria somente ter certeza de uma coisa: que ninguém mais no mundo os quisesse que fossem ilegítimos, sem pai, nem mãe. Então eu os pegaria para mim, com três ou quatro babas cordiais e afetuosas, como foi minha mamãe, para se ocuparem deles, alimentá-los e cuidar para que meus pequenos bastardos fossem a escola, para puxarem as orelhas deles quanto se comportarem mal, mas sobretudo, que soubessem amá-los como fossem bons ou maus”. Há nessa evocação ingênua um desejo de reparação. Reparar o mal que foi feito a ela, reparar o mal que partiu dela, realizando esse desejo através dos outros. E esse sonho sugere, sem o dizer explicitamente, que ela mesma seria para essas crianças o objeto de um afeto imenso. Não resta duvida de que foi no palco, mais do que em qualquer outra parte, que ela viveu a experiência do amor. Fonte: Billie Holiday, Biografia - Sylvia Fol.

It´s Not For me To Say

Um comentário:

MJ FALCÃO disse...

Muito belo o texto. Que vergonha as lutas pela "herança" de Billie! Ela que não pensou nunca em dinheiro, que deu e deu e deu...
Pelo menos, há muitos que a não esquecem! faz bem sempre em falar dela!
A fotografia é linda!
Abraço
o falcão amigo