sábado, 6 de novembro de 2010

Ella e Um mergulho no Passado Nostálgico de Uma Diva Nos Anos da Gravadora DECCA – 1917-1935 - Parte II

"...Hoje a lenda e a verdade vieram juntas cronologicamente. O Teatro Apollo no Harlem tinha uma política de reservar uma noite para os amadores para exibição de novos talentos: depois que o verdadeiro show acabasse era a vez da competição dos novatos. A idéia deste tipo de programa começou no Teatro Lafayette no Harlem, Rua 132 em 1933. O vencedor recebia um prêmio em troféu, dinheiro ou talvez se iniciasse numa carreira profissional. Os amadores eram chamados depois de tirados os cartões da caixa e convocados a exibirem. Mais da metade dos duzentos mil afro-americanos morando Harlem vivia encostado (expressa da Depressão para Previdência Social) e estes shows eram de grande incentivo moral. Embora tenha dito sempre que fora convidada pelas amigas (“um dia duas ou três amigas e eu fizemos uma aposta: teria eu coragem?”), Ella e algumas de suas companheiras de rua colocaram seus nomes nos cartões e o poder do universo que faz com que as coisas aconteçam empurrou Ella para a sua estreia em janeiro de 1934. Acompanhada da turma encorajadora, aguardava a hora de entrar enquanto repassava a rotina dos passos de dança na cabeça. O show profissional do Apollo com as Edward Sisters terminou deixando no ar uma incrível quantidade de energia e dança. Conforme Ella descreveu “Elas eram as mais dançantes irmãs do pedaço!” Ela percebeu que não conseguiria acompanha-las no palco. “Minhas pernas viraram água e milhões de borboletas brincavam de pegar dentro do meu estômago”, diria ela anos depois. Suas amigas tiveram de empurrá-la para o palco, “e quando eu olhei para onde o publico deveria estar, tudo o que vi foi um grande borrão”. Alguém da audiência gritou: “O que ela vai fazer?”. O Teatro Apollo era conhecido por sua freqüência barra-pesada que fazia da impertinência uma forma de arte. O público assistindo os melhores artistas do pedaço e quando via um talento de verdade reagiam com um entusiasmo selvagem e desmedido. No entanto quando se encontrava diante de alguma coisa menos do que ótima, sua ruidosa desaprovação podia transformar a pedra de Gibraltar em areia. O mestre-de-cerimônia percebeu o pânico de Ella e perguntou se preferia cantar em vez de dançar. Com o incentivo do público, ela perguntou se a orquestra da casa sabia uma canção de Hoagy Carmichael chamada “Judy”. Mais tarde ela diria que conhecia a letra porque sua mãe costumava ouvir e reouvir a mesma canção no disco de Conne Boswell. Por estranho que pareça o historiador musical Will Friedwald afirma que não há hoje vestígios deste disco. Ella cantou apoiando-se no estilo Boswell para chegar ao fim da musica. A resposta do público foi tão positiva que exigia outra música. A única canção que Ella sabia era o que chamava de o lado-de-lá de “Judy”. “Believer It Beloved”. Desnecessário dizer que Ella ganhou o prêmio de 25 dólares. Não tivesse ganhado o concurso, Ella nunca teria seguido a carreira de vocalista. Ela chamava aquela noite de “o turning point da minha vida. Uma vez lá, senti aceitação e o amor por parte do publico – sabia que eu queria cantar diante das pessoas para o resto de minha vida”. A grande coincidência também foi a presença naquela noite do jovem saxofonista e arranjador Benny Carter. Carter percebeu logo o potencial da jovem cantora e se apresentou a ela depois do show. “Não tenho certeza se eu fui o mestre-de-cerimônia naquela noite”. (não fui) recorda Carter, “mas imediatamente pude ver não só seu talento, mas a reação que ela provocava na audiência. Embora nervosa, como até hoje ela fica antes de se apresentar, ela adorou o publico e o publico adorou-a de volta. Foi óbvio desde início o que ela tinha dentro de si naquela noite no Apollo, e meu Deus, o que ela fez com sua estreia”. Não deixa de ser surpreendente que Ella e Carter ainda fossem amigos próximos e bons companheiros mais de cinqüenta e cinco anos depois. O que tornou Ella tão especial naquela noite foi a incrível reação que ela e o publico tiveram um do outro. Não a foi a sua voz, ainda fina e não definida e seu estilo era Conne Boswell. Ela era uma adolescente desengonçada e não estava bem vestida nem parecia elegante – ela nunca se julgou sua mulher bela. No entanto foi como duas pessoas que se encontram e se tornam na hora grandes amigos. Foi uma reação química, dois elemento individual que combinados, causaram uma enorme explosão. Carter apresentou Ella a Fletcher Henderson dias depois de sua estreia, mas Fletcher não se mostrou particularmente impressionado (podemos imaginar quantas vezes na vida ela não se arrependeu desta mancada), dizendo: “Simplesmente não vejo nada demais nela”. Ella começou então uma rotina de concorrer e ganhar todos os concursos amadores do Harlem, acrescentando “The Object of My Affection” a seu repertório. O único tropeço deu-se numa noite no Lafayette quando tentou cantar “Lost in a Fog” toda vestida de preto para parecer sofisticada. “O pianista não sabia as mudanças de escalas e eu realmente me perdi”, recordaria anos depois. Foi vaiada até sair de cena. No entanto seu fracasso total rapidamente se tornou uma vitória à medida que ela continuava com seu repertório de três músicas, ganhando todos os concursos de novos em que entrasse. Finalmente a talentosa adolescente ganhou como prêmio um contrato profissional: Uma semana no Harlem Opera House com a orquestra de Tiny Bradshaw, ganhando 50 dólares. Por esta época, teve seu nome citado na imprensa pela primeira vez. O New York Time referiu-se assim a ela quando de sua estreia no Harlem Opera House em janeiro de 1935:...” e Ella Frizgerald, o último nome premiado nos recentes concursos de auditório..” Há uma historia a respeito de Ella que teria acontecido nesta época que surge e ressurge de vez em quando. É apócrifo. Supostamente a rede de rádio CBS ficou sabendo das vitórias de Ella no Harlem e quis escalá-la para um show estrelado por Arthur Tracy, “The Street Singer” cujo grande sucesso era “Here Lies Love”. Prossegue esta lista de historia contando que assim que o contrato estava para ser assinado, a mãe de Ella faleceu, deixando-a sem uma pessoa responsável que assinasse o contrato por ela. Embora seja impossível fixar a data exata da morte de sua mãe, uma garota menor de idade teria a tutela de alguém apontado pela corte. Nova York tinha um sistema de direito de família muito eficiente, já nesta época. Se tal contrato existisse, CBS teria requerido que fosse designado alguém para tutelá-la. William S. Paley, presidente da CBS, não era homem de temer obstáculos. A tia de Ella, Virginia Williams, poderia ter assinado por ela. Por último o próprio Mr. Tracy recentemente declarou que não teve intenção de contrata-la e que de fato só ouviria falar dela mais tarde na época de suas gravações na Decca. Muita coisa sobre o inicio da carreira de Ella foi igualmente embaralhado pela imaginação dos publicitários. Foi no final daquela semana no Opera House que Ella cruzou pela primeira vez com Chick Webb, o baterista bandleader. Recorda Ella: “A orquestra de Tiny Bradshaw participava do show, eles me colocaram à direita bem no final, quando todo mundo já vestia os cossacos e preparava-se para sair. Tiny desse: ‘Senhoras e senhores, com vocês a garota que tem vencido todos os concursose eles voltaram e tiraram seus casacos e sentaram-se novamente”. Chick se apresentou na noite seguinte com a orquestra e como costumava dizer, ele “sacou-a no ato”. Embora Chick tivesse ficado impressionado, não pensava em acrescentar uma vocalista ao seu grupo musical. A intervenção a favor dela veio através de Bardu Ali, homem de frente da orquestra de Webb. Chick (nascido William Henry Webb Jr. Em 1909) estava indefeso como uma criança com tuberculose óssea na espinha. Uma queda devido à falha de degraus numa escada paralisou parcialmente suas pernas. Seu tamanho diminuto (menos de um metro e meio) deu-lhe o apelido de “Chick”. Devido a suas limitações físicas, Ali regia a orquestra enquanto Webb tocava bateria (e tocava-a extremamente bem, de um dinamismo que faria dele uma lenda, não fosse sua morte prematura). Ali levou Ella aos bastidores no camarim de Chick (houve boato de que ela ficou escondida lá, mais os minúsculos cubículos de teatro desmente a dramatização desta versão) e fez com que bandleader escutasse-a cantar alguma canção. Webb sabia que não precisava de uma cantora uma vez que já tinha um cantor, Charle Linton e não via necessidade de aumentar sua folha de pagamento. Finalmente cedeu e permitiu uma chance a Ella quando a orquestra fosse à Universidade de Yale, observou ele com um ponto de interrogação na voz. “Embarque no nosso ônibus e se eles gostarem de você lá o lugar é seu”. Se os bacanas de Yale aceitassem a nova cantora, ela poderia funcionar por uns tempos. Chick e Ella nunca tiveram razão para se arrepender e a cantora recebia a fria quantia de U$12,50 por semana nos primeiros cinco meses com a orquestra, subindo para 15 dólares quando eles começaram como atração fixa e se apresentar no Savoy Ballroom".
Fonte: Ella Frizgerald: A Primeira Dama do Jazz - Geoffrey Mark Fidelman, Francisco Alves - 2001.
Boa Leitura - Namastê.


Ella Fitzgerald - Lost in a Fog
1960

Um comentário:

MJ FALCÃO disse...

Vim espreitar, claro... Grande cantora, grande alma!
Abraços