sexta-feira, 21 de maio de 2010

As Raízes do Jazz - Uma Arte Indomável Pate III

Como Reconhece o Jazz.
O ritmo, a orquestra, a voz, a bateria. Apesar de ser difícil defini-lo é possível identificar as características mais marcantes. Não existe definição precisa ou adequada para o jazz, pois esse gênero musical não é imutável. Para complicar não há linha divisória discernível entre o jazz e a música popular comum. Nem entre o jazz e a música folclórica de onde ele emergiu. Por ser arte popular moderna não há autoridades e instituições capazes de defini-la sem contestações. Como não é possível rotular o jazz é possível ao menos, caracterizá-lo em cinco itens:

1- O jazz tem peculiaridades musicais decorrentes do uso de escalas originárias da África Ocidental, não usadas na música erudita européia;
2- Apóia-se, de maneira fundamental em outro elemento africano: o ritmo. Há dois elementos no ritmo jazzístico: uma batida constante e uniforme e variações sobre a batida principal. Mas não é fácil analisar o ritmo do jazz. Alguns de seus fenômenos como o que vagamente se chama de swing resistem a qualquer tipo de análise. É difícil por exemplo, explicar como os bons bateristas – mantendo o ritmo constante – dão a sensação de aceleração contínua ou driving.
3- Emprega cores instrumentais e vocais próprias. A orquestra de jazz representa uma evolução sobre a orquestra militar, utilizando poucas cordas e reservando para os metais e madeiras, funções pouco usuais em orquestras sinfônicas. A voz é a voz comum não educada em conservatórios. Os instrumentos são tocados – até onde isso é possível – como se fossem essas vozes. Quase tudo o que Lester Young “diz” em seu saxofone pode ser entendido.
4- Possui forma musical e repertório específicos, mas essas coisas não são importantes. As formas musicais mais importantes são o blues (música fundamental, com nove compassos e letra em couplet de cinco versos, sendo o primeiro verso repetido) e as baladas (adaptadas da música comercial comum). O repertório é formado por Standards: temas que se prestam, por um motivo ou outro ao modo de se tocar jazz.
5- É uma música de executantes. Tudo está submetido à individualidade dos músicos. O maestro (e até o compositor) é totalmente dispensável. Não há duas execuções exatamente iguais de uma mesma música.

As Jam Sessions:
Depois das apresentações para o público, a diversão dos músicos era tocar para eles mesmos. Era o momento de liberar a criatividade e testar novas idéias. A história do jazz a partir do início da década de 1920 é em grande parte, uma caminhada em direção às big bands, com sua instrumentação característica e seus arranjos que tendem a transformá-lo em puro entretenimento. Mas havia um risco nas big bands: transformar os músicos numa coleção de zumbis musicais que não ligam muito para o que estão tocando. A música comercial repelia e entediava o músico de jazz e as grandes bandas impunham uma disciplina impessoal sobre ele. Reagindo ao tédio os músicos criaram um mundo musical após o horário dos shows no qual tocavam para agradar a si mesmos. Assim surgiram as jam sessions. Muitos grupos de jazz, quando faziam pequenas temporadas em clubes sempre arranjavam um tempinho para as jam sessions. Outros músicos apareciam para “dar uma canja”, e assim a diferença entre tocar para o público e tocar para músicos foi estabelecida. Tornou-se cada vez mais precisa a distinção entre tocar música “comercial” ou por interesse, como é possível notar no depoimento do cantor e guitarrista Danny Barker: “Dizzy [Gillespie] e Milt Hinton entre os shows de duas horas e meia no Cotton Club, retiravam-se para o sótão. Dizzy tocava suas novas progressões harmônicas e experimentava com Hinton as diferentes idéias e padrões melódicos. Eles me convidavam para subir e me juntar a eles. Porém depois de um show de duas horas e meia algumas vezes eu ia, outras não. Porque o que eles faziam exigia muita concentração mental em harmonias. Era muito interessante mas eu não conseguia subir e gastar energia em algo não comercial” . Shapiro, N. e Hentoff - N. Hear Me Talking ` Toya . Londres, 1955 - Pg. 306.

A Revolução Bebop.
Em 1941, surgiram o jazz bop e o cool jazz. Até essa data, o jazz era apenas um estilo tocado e ouvido por divertimento e dinheiro. Mas nesse ano, o ritmo transformou-se em manifestação cultural de uma minoria. O jazz contemporâneo não é produzido apenas por entretenimento ou por requinte técnico: também é encarado como um manifesto – seja de revolta contra o capitalismo e a indústria cultural, seja de igualdade racial. A partir da década de 1940, o jazz se politizou e o ritmo bebop reivindicou a igualdade entre as raças e a valorização da música. A evolução jazzística até o final dos anos 1930, seguiu uma direção única: cada estilo derivava de seu predecessor que modificava ou acrescentava algo à música. A evolução contemporânea começa com uma meia-volta intencional: os revivalistas (um movimento mais de público do que de músicos) rejeitaram deliberadamente o jazz existente, em favor de um tipo de música que já estava extinta (Dixieland revival); já os boppers (um movimento mais de músicos do que de público) rejeitaram deliberadamente o jazz existente, em favor de um tipo de música que, pelos padrões existentes, soava anárquica e dissonante. A revolução contemporânea, chamada bebop começou em Nova York e foi uma revolta dos músicos e não um movimento do público. Na verdade era uma revolta contra o público, bem como contra o afogamento do músico em inundações de barulho comercial. Era, também, um manifesto muito mais profundo: pela igualdade entre as raças. Os inventores dessa música revolucionária eram jovens negros que tinham sem exceção, vinte e poucos anos de existência. Quase todos eles ainda eram desconhecidos do grande público: John Birks Gillespie - trompetista, Thelonius Monk - pianista, Kenny Clarke e Art Blakey - bateristas; Charlie Christian - guitarrista (o único que já era famoso), Bud Powel - piano, Milt Jackson - vibrafone, Tadd Dameron - arranjador, Max Roach -bateria, Kenny Dorham - trompete. De acordo com o historiador Eric. J. Hobsbawn, o ímpeto revolucionário musical do início da década de 1940 é inconcebível sem a base fornecida pelos levantes políticos dos anos 1930. As ações políticas deram audácia intelectual aos negros norte-americanos que se sentiram mais fortes para lutar em outros frontes, além das reivindicações por igualdade social. A revolução bebop foi, portanto, tão política quanto social, levando os jovens músicos a insurgirem- se contra os negros que produziam jazz tradicional e eram pejorativamente chamados de Uncle Tom (referência à Cabana do Pai Tomás, símbolo da acomodação dos negros sulistas à sociedade dominada pelos brancos). Esses jovens também se rebelaram contra os músicos brancos que tocavam jazz: a idéia era fazer uma música tão difícil que “eles não poderiam roubar”. Houve uma tomada de posição por parte dos artistas e intelectuais negros: a música seria tão boa tecnicamente quanto a dos brancos (designados como “ofays” – inimigos, em latim vulgar), mesmo em termos de música de arte mas fundamentada na cultura negra. No entanto, ao migrarem para os grandes centros urbanos do norte do país os jovens negros descobriram que não adiantava se afastar do mundo do “Pai Tomás”, pois não seriam valorizados nos galpões das fábricas de Chicago. Esses jovens acabaram isolados em relação aos outros negros: eles tinham-se colocado (graças ao talento e às conquistas intelectuais) acima do nível dos trabalhadores comuns de onde tinham vindo. Por isso acabaram excluídos, não só pelos brancos, mas até pela classe média negra. Como resultado os intelectuais e músicos do bebop passaram a assumir um comportamento social anárquico e boêmio e a música deles se transformou em um gesto múltiplo de desafio. A ironia é que a classe média negra não reconheceu o valor artístico desses garotos: no final o prestígio acabou vindo da parte dos brancos. Os jovens intelectuais brancos e boêmios enxergaram no bebop um mal-estar e uma revolta semelhante a deles próprios e fizeram do jazz contemporâneo a música da beat generation - a geração beat.
Por NEY VILELA.

Boa leitura - Namastê.

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