quarta-feira, 31 de março de 2010

2009 - Jazz & The City Vol. 2 (3CDs)

O jazz nasceu efetivamente na passagem para o século XX e se desenvolveu na velocidade dele, lento, calmo e contagiante. As transformações pelas quais essa música passou tornaram na um objeto multifacetado pelo fato de que diversas tendências que se poderia colocar cronologicamente como sendo sucessivas, dentre as quais o swing, o bebop ou o cool, por exemplo, acabaram por conviver simultaneamente. A partir dos anos sessenta com o free jazz, ele foi abandonando seus elementos idiomáticos mais identificáveis como o swing e as melodias de assimilação mais rápida, perdendo assim suas conexões com o que se define como música popular, embora a sua filiação à tradição oral jamais tenha sido negada. Teve durante muito tempo uma função de entretenimento e de dança mas também uma função ritual, com os cantos religiosos (gospel) e os cantos de trabalho (worksong). Assistir a um concerto de jazz é uma experiência única, pois a cada performance a abordagem das músicas se modifica substancialmente, um mesmo tema nunca é repetido, ele é a cada vez recriado e isto faz parte da própria idéia de jazz. A interação com o público e as condições acústicas do lugar de realização de um concerto também são fatores que certamente terão forte influência no resultado final, uma vez que o conteúdo de um concerto jazzístico não está nos temas e sim na abordagem deles. Ainda, a substituição de um único integrante em um grupo trará uma nova vivência, uma nova face, uma vez que no jazz os músicos não tocam partes predeterminadas e a contribuição individual é de vital importância para a realização musical. No entanto, a gravação de um concerto (a reprodução), também terá seus aspectos positivos. Poder ouvir hoje, por exemplo, um trabalho feito por Miles Davis do ano de 64 em Tóquio , em um dos momentos de transição de suas estéticas e com a participação de um músico que nunca havia tocado com ele (Sam Rivers- sax tenor) e que jamais tocaria novamente, por certo não é uma experiência comum e somente a reprodução pode nos trazer de volta, ainda que parcialmente, aquele momento. Há que se destacar como positivos os aspectos didáticos, uma vez que através da reprodução pode se estudar e passar adiante as idéias contidas em uma abordagem musical, como a citada acima. Mas não há como ignorar também o fator comercial do lançamento deste ou de qualquer outro trabalho. Todas as questões mercadológicas, que incluem campanhas de marketing e o relançamento de antigos produtos com novos suportes tecnológicos, como temos visto muito no setor audiovisual; parecem ser a exacerbação da premissa do capitalismo na qual tudo é mercadoria e tudo pode ser vendido ou comprado. Adorno antevê esta questão de maneira pontual. Ante o poderio da mercadoria anunciada, já não resta à consciência do comprador e do ouvinte outra alternativa senão capitular e comprar sua paz de espírito, fazendo que a mercadoria oferecida se torne literalmente sua propriedade. Porém, o chamado free jazz, surgido nos anos sessenta, rompeu todas as conexões com as estéticas jazzísticas anteriores a ele, mesclando elementos que são novidades trazidas pelos músicos que praticaram o free. Entre eles - entrada no campo livre da atonalidade, dissolução da simetria rítmica do metro e do beat, incorporação de elementos musicais de diversas culturas, maior intensidade na execução instrumental, chegando quase ao êxtase e ao “culto da intensidade” e o ruído passando a fazer parte do som musical. Estes elementos mas acima de tudo o uso que se fez deles, esvaziaram o jazz de suas funções sociais e lhe concederam também o status de arte dentro da perspectiva ocidental do século XX. "Vamos tentar fazer música e não um fundo musical”. Esta frase foi dita por Ornete Coleman (1930), nos comentários de capa do disco Free jazz, que é tido como o marco zero dessa experiência musical.
O objetivo era fazer os instrumentos falarem como talvez tenham falado nossos ancestrais longínquos, antes da invenção da linguagem. Para isso, utilizei um quarteto duplo: dois sax, dois trompetes, dois contrabaixos e duas baterias que dialogavam. No disco, ouvese um quarteto em um canal e o segundo quarteto no outro. Em “Free Jazz”, faixa de 37 minutos e três segundos, a noção de virtuosidade desapareceu, em prol da mensagem: aquilo que era acidente se convertia em nova possibilidade sonora. Ruídos, efeitos do sopro assobios da palheta, tudo era explorado e trabalhado. Cada instrumento se tornava um prolongamento da vida e do corpo. Todas as nuanças emocionais da voz – gritos, gemidos se exprimiam livremente. Os instrumentos rítmicos podiam revelar suas qualidades melódicas: os bateristas exploravam todos os timbres, usandoos como notas para formar um discurso. Os contrabaixos desfraldavam sua riqueza lírica sem ser relegados ao papel de acompanhamento. Enquanto isso, os trompetes e o sax (sic!), exploravam os ritmos. Ao tocar aquela música, éramos levados a um equivalente musical das ações pintada (“action paintings”) de Jackson Pollock. Por sinal a capa do disco trazia uma reprodução de uma tela de Pollock”.

Estas questões reverberam intensamente na música de uma maneira geral e não somente no caso específico do jazz pois a reprodução técnica na música se dá através da gravação. Este foi um fator que influenciou inclusive a própria criação artística, antes da invenção do disco de vinil as peças musicais tinham que se acomodar no tempo máximo de três minutos porque até o final da década de quarenta os discos de 78 rotações eram praticamente o único meio acessível para gravações no caso específico do jazz. Os discos de 12 polegadas que poderiam conter até cinco minutos de música talvez fossem caros demais para o jazz. Em tempos de tecnologia digital os problemas são outros. Na música comercial uma infinidade de recursos faz com que todo o processo de produção de um CD ou de um DVD se torne muito semelhante ao da edição de um filme. Pequenas frases musicais são gravadas sem qualquer seqüência que faça sentido ao “intérprete”, posteriormente elas serão montadas pelo produtor. Um percussionista grava um compasso que é posto em looping durante toda uma seção ou até durante uma música inteira, isso quando não se usa um sampler. A afinação também não é mais um problema devido a dispositivosdos programas de gravação que corrigem pequenos deslizes de cantores ou instrumentistas que toquem instrumentos sem afinação fixa. Todos estes recursos possibilitam que se consiga aquela definição perfeita em uma gravação digital, tão perfeita que chega facilmente a ser irreal, não somente do ponto de vista da realização acústica, mas também do ponto de vista do arranjo e da instrumentação. Muitos arranjos ao vivo, simplesmente porque não são pensados para isto; ouvir um violão de nylon soar à frente de uma bateria pop é absolutamente irreal, então quando estão “ao vivo”, muitos músicos pop dublam seus próprios CDs. A gravação de música chegou a um estágio onde não pode mais ser considerada reprodução, ela passou a ser o objeto em si e em alguns casos a apresentação dos artistas é que é a reprodução da gravação. Na música erudita, os novos processos de gravação (por sessões ou com o uso de overdub ) são utilizados com a justificativa legítima de que o concerto e a gravação são coisas totalmente distintas. A gravação tem que ser perfeita do ponto de vista técnico, uma vez que a obra já está totalmente preconcebida e cabe assim ao intérprete realizar a idéia do compositor da melhor maneira possível, mesmo porque haverá diversas gravações de uma obra, que serão referências da mesma, e serão ouvidas em ambientes diversos, longe do calor (aqui agora) de um concerto. Os músicos de jazz, do jazz no sentido estrito (stricto), perceberam cedo que a perfeição buscada pelas gravações digitais estava ameaçando o que o jazz tem de mais caro: a espontaneidade, a conversa dos músicos que constrói a obra musical e o ouvir o outro para poder interagir. Assim, a despeito das novas tecnologias, continuaram encarando a gravação como o registro de uma performance, o chamado “ao vivo no estúdio”. Do ponto de vista comercial, este procedimento é ruim, pois não propicia a mesma qualidade de reprodução que uma gravação feita em camadas, o que seduz o ouvinte pela tal “perfeição”. Porém do ponto de vista da criação musical, tal procedimento simplesmente garante a sobrevivência criativa do jazz. Pequenas imperfeições de afinação ou “guinchos” de clarinetes ou saxofones, até mesmo uma leve aceleração no andamento da música, são aceitos se o take for considerado musicalmente bom. No encarte de um CD do saxofonista Branford Marsalis chamado The Beautyful Ones Are Not Yet Born, lançado em 1991, portanto no início da era digital, há a seguinte inscrição:
Para o purista, este disco foi gravado com dois microfones direto para dois canais analógicos, sem mixagem, edição ou overdubbing. Para o audiófilo, este disco foi gravado em tape digital multicanal, editado e mixado várias vezes. Para o amante da música isto realmente não importa!.”
Ouvindo este trabalho fica claro que se trata da gravação de uma performance feita no estúdio. Com uma formação de trio (saxofone, baixo e bateria) os músicos tocam buscando um desenvolvimento contínuo, mal dá para se perceber as mudanças de chorus. Se alguém resolvesse colocar um percussionista na grava em compasso posto em looping durante toda uma seção ou até durante uma música inteira, seria possível, isso quando não se usa um sampler. As observações aqui mencionadas encontram lugar para reverberar em uma expressão artística como o jazz, que se realiza no momento da fruição. Portanto Assistir a um concerto de jazz ao vivo, é na verdade participar dele, pois a presença e o envolvimento do público em um concerto influenciará certamente a performance dos músicos, e os eventos musicais “ainda por acontecer” serão vivenciados pelos artistas e pelo público no mesmo momento. Portanto, público e artista pactuarão desta maneira um momento único. Viver o momento de um concerto é uma experiência bastante diversa da audição de um CD. Nele, por mais que se opte pelo registro fiel de uma performance os eventos já terão ocorrido. O jazz sob uma perspectiva Moderna.

Bossasonic
- Wicked Game


CD1
01 - Tito Beltran, City Of Prague Philharmonic and Stapleton - Caruso
02 - Badabing Badaboom - When You're Lonely In New York
03 - Cassandra Wilson - Harvest Moon
04 - Michael 'Patches' Stewart - Fly Me To The Moon
05 - Ella Fitzgerald - He's My Guy
06 - George Duke - For All We Know
07 - Tom Browne - In A Sentimental Mood
08 - Lionel Hampton - My Last Affair
09 - Thelonious Monk - Ruby, My Dear
10 - Duke Ellington - Tea For Two
11 - Dizzy Gillespie - Desafinado
12 - Art Blakey and The Jazz Messengers - Mosaic
13 - The George Shearing Quintet with Nancy Wilson - All Night Long
14 - Chet Baker - Time After Time
15 - Herbie Hancock - Dolphin Dance

CD2
01 - Alley - Praire Cats
02 - Mikelyn Roderick - Copasetic Is
03 - Ella Jones - Summer Candy
04 - Badabing Badaboom - Everybody Want's What They Ain't Got
05 - Tonic Vintage Vocals - Fancy Feast
06 - Tony B - Happy Together
07 - Julie Anne - I Don't Know Enough About You
08 - Mike Goudreau - I Get A Kick Out Of You
09 - Tony B - I've Got You Under My Skin
10 - Felicia Carter - My Funny Valentine
11 - Lloyd Marcus - Nice And Easy
12 - Johnny Boyd - Palace Hotel
13 - Nena Anderson - Say You'll Be Mine
14 - Laura Hull - Swinging From The Moon
15 - Arlene Bailey - Time After Time

CD3
01 - David Mcmurray - For You (Hip Mix)
02 - Mikelyn Roderick - Bless You
03 - Martin Smith - Love For Sale
04 - Tom Browne - Hangin' On A String
05 - Emme St. James - Make Love To Me
06 - Jack Hoban and Wendy Razer - Moonlight On The Sand
07 - Mikelyn Roderick - Slick And Deep
08 - George Duke - Sweet Baby
09 - Miss Volare and The Vendettas - The Long Goodbye
10 - Diane Van Durzen - Exactly Like You
11 - Aimee Allen - What The Senses Know
12 - Miles Davis - You Go To My Head
13 - Angela Mccluskey - Don't Explain
14 - Tom Browne - Back To Life 5:56
15 - Bossasonic - Wicked Game 3:12

Boa audição - Namastê.

4 comentários:

MJ FALCÃO disse...

Muito bem sempre! Fico contente só de vir ouvir... e ler também, mesmo com pouco tempo dou sempre uma olhadela...
Nunca se acaba de descobrir o jazz...
Boa Páscoa, na Paz!

Cris disse...

Como uma amante do bom Jazz, achei seu blog magnífico!
Teremos muito que conversar por aqui.
Te sigo.
Um abraço!

Ianê Mello disse...

Ah, o Jazz...

Sempre me extasio ao ouví-lo.

Fantásticos os CDs; as interpretações diferenciadas.
Amei!!! Obrigada.

Você não teria o nº 1 para nos passar o link...rsrsrs?

Beijos.

Bruno Leão disse...

Excelente blog e resenhas. Gostei muito até da neve caindo deixando a leitura agradavel.