quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A história da Bossa Nova - Parte XX - Parte final.


Na festa, Edu pegou o violão e começou a tocar algumas músicas. Vinicius, interessado, perguntou se ele não teria uma música nova, ainda sem letra. Edu tinha. Mostrou a música e Vinicius perguntou se poderia fazer a letra. “Dormi aquela noite sem acreditar e no dia seguinte, quando eu acordei, era parceiro do Vinicius de Moraes! Esse tipo de coisa não acontece em lugar nenhum do mundo. Se um grande letrista americano, por exemplo, encontrar um jovem compositor, antes de começar a parceria ele no mínimo vai ligar para o advogado”, garante Edu. A música em questão era Só me fez bem. “Isso foi mais que um prêmio, mais que qualquer empurrão”, lembra Edu, que ainda nessa época não pretendia seguir carreira musical. “Eu fazia música como quem pega onda, era uma coisa da geração. Inclusive muita gente, que tocava bem na época, hoje em dia faz outra coisa”, diz. Edu atualmente acha inacreditável a facilidade que se tinha de entrar nas casas de pessoas públicas como Vinicius e Tom Jobim. “A gente ficava só olhando enquanto eles trabalhavam. Na casa do Tom, eu tocava a campainha e entrava, a Teresa trazia um cafezinho e eu ficava ali, feliz da vida, só ouvindo. E eles deixavam. Era como se fosse uma escola”, garante. Musicalmente, no entanto, tanto Edu Lobo quanto Marcos Valle já começavam a trilhar seus próprios caminhos. Apesar da influência explícita da Bossa Nova, a inovação chegava através da versatilidade em termos de ritmo e principalmente nas letras, que começaram a apresentar mais temas políticos, deixando de lado a máxima “amor, sorriso e flor” da primeira geração da Bossa Nova. Marcos Valle, um dos primeiros surfistas cariocas, chegou a compor várias canções ligadas ao mar. O clima para músicas de fundo social começou a crescer no meio artístico como uma forma de protesto contra o sistema político vigente. Várias canções foram censuradas e outras tiveram frases mutiladas, o que só serviu para aumentar mais ainda a curiosidade e o prestígio das mesmas. inda em 1963, após muito hesitar, Nara Leão aceita o convite de Carlos Lyra e Vinicius para estrelar a Pobre Menina Rica, no Au Bon Gourmet. Entre as canções do espetáculo, todas compostas pela dupla, estavam Samba do Carioca, Sabe Você?, Pau de Arara, Maria Moita e Primavera. A temporada, de apenas três semanas, foi um sucesso. Nara havia começado um namoro com o cineasta Ruy Guerra, também letrista e parceiro de Edu Lobo. Carlos Lyra, na época, estava mergulhado em pesquisas sobre a música dos velhos sambistas do morro, como Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, tentando inclusive compor com alguns deles. O disco Nara, lançado pela Elenco em 1963, reunia composições como Diz Que Vou Por Aí de Zé Keti, O Sol Nascerá, de Cartola e Elton Medeiros, e Luz Negra. de Nelson Cavaquinho, além de Feio não é Bonito e Maria Moita, de Lyra, Berimbau e Consolação, de Baden e Vinicius, Nanã, de Moacyr Santos, e Canção da Terra e Réquiem para um Amor, de Edu Lobo e Ruv Guerra. Quando o disco saiu, Nara foi ferozmente atacada por alguns críticos, mas seu novo estilo acabou agradando. Em janeiro de 1964 ela fez uma temporada no Bottle’s, e poucos meses depois partiu para o Japão com o trio de Sérgio Neto e Edison Machado. Quando voltou ao Brasil assinou com a Philips para gravar o Opinião. No repertório, Derradeira Primavera de Tom e Vinicius, Em tempo de Adeus, de Edu Lobo e Ruy Guerra, Opinião e Acender as Velas, de Zé Keti, entre outras composições que iam de capoeiras do folclore baiano. Nara estava fugindo de Ipanema, e o disco causou enorme polêmica, tendo sido considerado na época totalmente anti-Bossa Nova. Logo ela estrearia o show Opinião, de Oduvaldo Viana Filho, Armando Costa e Paulo Pontes, dirigido por Augusto Boal, e acompanhada por Zé Keti e João do Vale, no Teatro de Arena da Rua Siqueira Campos em Copacabana. O espetáculo, em toda a sua temporada, teve grande sucesso. E Nara passaria a ser a musa de outro movimento: o protesto da nova geração universitária Nesta época começaram a surgir os festivais da canção, que permitiam uma maior liberdade de composição. A partir de 1965, vários festivais começaram a acontecer nas emissoras Excelsior, Tupi e Record. Em 1966, Tom Jobim, já de volta ao Brasil após todo sucesso no Exterior, estava tomando tranqüilamente seu chopp no bar Veloso, em Ipanema. O telefone do bar tocou. Tom foi chamado e do outro lado da linha estava ninguém menos que Frank Sinatra, diretamente dos Estados Unidos, convidando-o para gravarem juntos um disco. Foi um encontro de gênios: O LP chamado Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, foi escolhido por unanimidade pela crítica especializada dos Estados Unidos como o álbum vocal do ano. Em 1967, o disco só perdeu em vendagem para os Beatles, que haviam acabado de lançar Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Mais tarde, já em 1968, Marcos Valle estourou em todas as paradas com a Viola Enluarada. E é ele quem conta como compôs a música: “Eu estava nos Estados Unidos, em 1967, participando de espetáculos e programas de televisão. E aquela saudade batendo. Fui gravar um disco em Nova York com arranjos do Eumir Deodato. Saudoso demais do Brasil, um dia entrei no banho e me veio, embaixo d’água, a melodia completa de Viola Enluarada na cabeça. Foi um ato de saudade, por isso ela é tão brasileira e tão triste também. Quando voltei ao Brasil, conheci o Milton Nascimento. Promoveram um encontro na casa do Tom para a gente se conhecer. Ele era meu fã, e eu dele. Neste encontro, toquei Viola Enluarada ainda sem letra. Todos adoraram a música e inclusive me disseram que deveria ser gravada sem letra. Mas eu preferi pedir ao Paulo Sérgio para fazer a letra. Quando ele me mostrou, fiquei um pouco na dúvida se a letra deveria ser aquela mesma, mas acabei concordando, e realmente o conjunto de letra e música deu supercerto.” Marcos lembra que, antes de ser sucesso de público e disco Viola Enluarada já era sucesso no meio artístico e era item obrigatório nas rodas de violão e nos shows. No espetáculo do Quarteto em Cy, por exemplo, Juscelino Kubitschek em pessoa levantou-se e cantou a plenos pulmões o refrão “Liberdade”. Logo Marcos Valle convidou Milton Nascimento para gravar música, que rapidamente estouraria nas paradas. Mais ou menos na mesma época, Marcos Valle foi convidado para participar do programa Almoço com as Estrelas, comandado por Aerton Perlingeiro na TV Tupi. Marcos seria agraciado com o prêmio Velho Capitão uma estatueta com a imagem de Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados e da TV Tupi. “Eu resolvi convidar o meu irmão Paulo Sérgio, já que ele era meu parceiro. O Paulo Sérgio se sentou num canto da mesa. meio escondido, e ficou observando tudo. Quando o Aerton anunciou o prêmio, eu comecei a agradecer e disse que também queria oferecer o prêmio ao meu irmão. Quando eu falei isso, o Paulo Sérgio já se levantou. Mas antes que ele chegasse perto, o Perlingeiro disse: ‘De jeito nenhum!’ Ficou aquele clima, o Paulo Sérgio já voltou pro lugar dele, e o Perlingeiro continuou: ‘Não senhor, o prêmio é seu. Quando o seu irmão merecer um, ele vai ganhar!’ Depois a gente chorava de rir e até hoje eu não sei se o Aerton viu que o Paulo Sérgio estava ali”, lembra Marcos. Poucos anos depois, o Brasil veria o surgimento de outro movimento importante: o Tropicalismo dos baianos Caetano, Gil e cia. Mas a verdade é que nunca um movimento musical influenciou tantos músicos em tantas partes do mundo como a Bossa Nova. Era incontestável que a música brasileira havia mudado, e para muito melhor. O respeito com que os compositores e músicos brasileiros começaram a ser tratados no Exterior era a prova do sucesso absoluto da Bossa Nova. O mercado internacional abria-se para o grupo de jovens amadores e seus seguidores, que haviam conquistado pela primeira um lugar de destaque para a música brasileira, livre de sotaques, batucadas e cachos de bananas. Em curto espaço de tempo, Antonio Carlos Jobim já era conhecido e consagrado como um dos maiores compositores do mundo. A gravação do seu disco com Frank Sinatra cantando suas músicas e músicas americanas no embalo da Bossa Nova era o reconhecimento da definitiva influência da moderna música brasileira. O violonista Baden Powell foi morar em Paris, e tanto na França como na Alemanha gravou inúmeros discos. O violonista pernambucano Cussy de Almeida morava em Genebra, Suíça, e chegou a ser o primeiro violino da orquestra Suisse Romande. Voltando ao Brasil encantou-se pela Bossa Nova. Viajava freqüentemente ao Rio de Janeiro, onde conheceu diversos personagens da Bossa Nova, terminando por gravar um belíssimo disco (O Mergulhador) de violino e violão com Candinho. Também para Paris mudou-se o violonista e cantor Normando. Carlinhos Lyra foi para os Estados Unidos e México onde viveu e trabalhou com grande prestígio. O pianista e compositor Eumir Deodato radicou-se em Nova York, onde ganhou diversos prêmios e discos de ouro, sendo considerado um dos maiores arranjadores pelos músicos americanos. Sérgio Mendes, há anos com o seu espetacular som característico, já é uma instituição no cenário da música nternacional. João Gilberto transformou-se em símbolo e padrão de qualidade de interpretação. Astrud mora na Filadélfia e será sempre a suave “Garota de Ipanema”. Edu Lobo, Dori Caymmi e Marcos Valle deixaram a marca de sua presença em todos os locais em que a Bossa Nova é ouvida. Vinícius de Moraes, o poeta dos poetas, correu mundo contando e cantando sua poesia, e por algum tempo chegou a morar na Itália, onde fez enorme sucesso. Oscar Castro Neves fixou residência em Los Angeles como notável arranjador e instrumentista. Roberto Menescal, dono de uma obra que é parte fundamental do acervo da Bossa Nova, fez diversos shows pelo mundo, e além da música tornou-se um dos maiores experts em bromélias no Brasil. Moacyr Santos e Don Salvador fizeram da América sua opção de vida e trabalho. A batida do violão e dos ritmistas Juquinha, Hélcio Milito, João Palma, Milton Banana, Paulinho Magalhães, Chico Batera, Edson Machado, Toninho Pinheiro, Ronnie Mesquita, Paulinho Braga, Ruben Bassini e Dom Um Romão, abriu no Exterior o caminho para que os percussionistas de vários países acompanhassem a Bossa Nova, que saiu das noites de Copacabana e Ipanema para as luzes internacionais. De um cantinho e um violão para as grandes platéias e orquestras do mundo. E 40 anos depois do seu nascimento, a riqueza, a suavidade e o encanto da Bossa Nova não se encontrou nada que a superasse. (...) Continua na próxima postagem. Fonte: Revista Caras - Edição Especial de Julho de 1996. 
Boa leitura - Namastê

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