Aos treze anos,
Billie Holiday encontra
Nova York. Com a paciência da esgotada, vovó
Martha exige que
Sade pegue a menina de volta. A garota só faz o que lhe dá vontade. Uma vergonha para uma família respeitável. Tal mãe, tal filha, resmunga pelas costas a jovem Billie. Dizem que ela passa a noite em casas de tolerância e só volta de manhã, nas piores condições, algumas vezes com marcas no rosto. A garota deixa
Baltimore no começo de
1929. Para a viagem usava um vestido de algodão branco com enfeite de tule e um cinto de verniz vermelho.
Sade, que mora no
Harlem, vai recebê-la na estação de trem de
Long Branch. No começo do século, o
Harlem tinha sido um bairro principalmente residencial, cheio de verde e tranqüilo, em que habitavam imigrantes judeus, irlandeses, alemães ou italianos. Mas a partir da década de
20, a migração dos negros do sul em busca de trabalho nas grandes cidades do norte foi transformando aos poucos o
Harlem em uma concentração de negros de todas as partes. Os brancos esvaziavam o bairro e de acordo com as regras da especulação imobiliária, ele foi deixado ao abandono. Os imóveis antigamente ocupados por brancos foram subdividido em pequenos alojamentos que sofreram uma progressiva decadência. Pouco a pouco, o Harlem se transforma em um gueto. No final dos anos 20, relata-se que os negros sempre encontravam alojamentos por ali e que havia trabalho para todos. Fala-se de sua vida noturna trepidante, e de seu fervilhamento cultural, daquela Renascença Black de que o livro de
Alain Locke (1886-1954) –
The New Negro (1925) se tornou em estandarte. O
Harlem está na crista da onda e dita a moda em matéria de arte, musica e literatura. A música é tocada pelos negros e negros são os atores das peças de teatros. Poetas, romancistas, dramaturgos, todos celebram sua negritude e dão a conhecer talentos como
Langston Hughes (1902-1967),
Paul Laurence Dunbar (1872-1906),
James Weldon Johnson (1871-1936),
Claude McKay (1889-1948),
Countee Cullen (1903- 1946). Finalmente os negros têm sua própria referência de primeiro plano. O escritor
Willian Edwards Burghardt DuBois, militante da NAACP (Associação Nacional Para o Progresso dos Negros), na melhoria das condições sociais das pessoas “de cor”, que luta contra a discriminação racial e os linchamentos, exorta o povo a reivindicar seus direitos. Musicalmente são os blues que atingem o auge. Em
1920 o disco de
Mamie Smith –
Crazy Blues, vende mais de um milhão de exemplares e lança moda. Mais de cinco mil discos diferentes de blues são produzidos no decurso dos dois decênios seguintes. As comédias musicais e as “revistas negras” ocupam completamente os palcos da
Broadway.
Duke Ellington estreia no
Cotton Club,
Louis Armstrong e
Bessie Smith no
Alhambra. Os burgueses brancos vêm “acanalhar-se” nos clubes negros do
Harlem, onde se dança black botton. Ragtime ou charleton. Durante os
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anos 20 e 30, o estilo pianistico
Harlem Stride, Do qual
Art Tatum (1909-1956) foi mais tarde campeão incontestado, faz furor em toda parte. A mão esquerda, vigorosa, garante o suporte rítmico, enquanto a mão direita opera sutis variações. No
Harlem.
Luckey Roberts (1893-1968),
Willie “the Lion”
Smith (1897-1973),
Fats Waller (1904-1968) ou
James P. Johnson (1904-1943) disputam uns com outros o título de “reis do Stride”. Nas casas dilapidadas do
Harlem, a moda agora são as rent parties. Entrada paga. Servem soul food (miúdos e patas de porco e ensopado de couve), os pratos da cozinha negra do sul dos
Estados Unidos. Pianistas animam esses saraus musicais, em que os locatários de um mesmo imóvel se cotizam para ajudar aqueles que não podem pagar seu aluguel. Nos clubes que brotam em toda parte ocorrem torneios intermináveis entre os virtuosos do piano. Os executantes individuais e as big bands se enfrentam em desfiles musicais, enquanto um público tomado de entusiasmo deve escolher os melhores aplaudindo freneticamente. Sobre os pódios de
Savoy Ballroom, duas grandes orquestras se alternam para acompanhar continuamente as centenas de bailarinos que se deslocam sobre uma pista de setenta metros de comprimento por quinze de largura. Apelidaram o Savoy de “
a casados pés felizes”. A clientela e mista. Chama a atenção o espetáculo dos dançarinos que executam figuras acrobáticas de lindy-hop e jitterbug (dança e passos velozes). As garotas de sais plissadas e meias soquete brancas, são jogadas por cima do ombro, passam pelo meio das pernas de seu cavalheiro e se ergue de imediato, como se alguém lhe puxasse as rédeas e continuam a dançar, sem perder o ritmo por um único minuto. Em
1923, abre as portas o luxuoso
Cotton Club. “Um bar de luxo exótico que explora a mesma formula das grandes “revistas negras” da
Broadway: brancos na sala, negros no palco”. Uma segregação estritamente aplicada. As melhores orquestras negras, de
Duke Ellington,
Cab Calloway
(1907-1994)
, Jimmie Lunceford (1902-1947), sucedem-se intercaladas com números de garotas quase nuas, moças de cor ou mestiças de pele clara. Se fossem muito escuras espantariam os fregueses. Corre o boato de que certas brancas se fazem passar por negras, por que o
Cotton Club paga melhor do que os outros. Duke permanece tocando na casa durante cinco anos, entre
1924-
1932, com um conjunto de onze músicos e faz tremerem as damas ao som de bongôs selvagens. Seu estilo jungle que evoca a floresta virgem e as danças primitivas, sacodem as paredes do clube, enquanto as girl, arregalando olhos assustados, dançam pelo meio de cipós. Na rua
125, o
Apollo Theater, cinema e music hall, apresenta um filme novo a cada semana e atrações de palco. Números cômicos, matracas, cantores e sempre uma excelente orquestra de jazz. Os músicos começam a tocar às dez horas da manhã e garantem cinco a seis shows por noite, em troca de salários irrisórios. Seu trabalho só acaba pelas onze da noite e o midnight show dos sábados dura até as duas horas da manhã. A partir de
1934, a cada noite de quarta-feira são organizados concursos de canto para amadores. O veredicto do publico, particularmente turbulento e exigente, é muito respeitado pela imprensa musical. Grande número de estralas e astros Como
Ella Frizgerald (1917-1996),
Thelonious Monk (1917-1982) e Sarah
Vaugham (1924-1990) fizeram ali suas estreias. A parte dos anos
30, a Rua
52 transformou-se no “
Swing Street”, a partir do novo ritmo musical, o swing. Na “rua que nunca dorme” pulula uma grande quantidade de pequenos clubes e de speakeasies, bares clandestinos, em que se bebe álcool contrabandeado. Ainda estamos na época da proibição e os reis do crime investiram em night clubs. Alguns cabarés abriram nos subsolos bares proibidos ou pequenos salões que os bootleggers (recipiente de bebida) mantêm sempre bem surtido de bebidas fortes. Como o álcool, o dinheiro líquido corre aos borbotões; os músicos fazem bons negócios e as grandes orquestras, como as
Fletcher Henderson (1897-1952), tendo como guitarrista e banjista
Clarence Holiday – seu pai, no
Roseland ou de
Chick Webb (1905-1939) no
Savoy Ballroom, tocam para as multidões de bailarinos. Junto a esses grandes conjuntos instrumentais, o papel dos solistas assume um caráter cada vez mais preponderante. Postados de costas para a orquestra, na beira do proscênio, têm o lugar de honra, arrastando a orquestra atrás de si, enquanto seus solos muito concorridos desencadeiam o entusiasmo do publico.
Coleman Hawkins (1904-1969) toca com
Fletcher Henderson; o trompetista
Cootie Williams (19101985) e o saxofonista
Johnny Hodges (1906-1970) se exibem com
Duke Ellington, enquanto
Lester Young (1909-1959) se apresenta com a orquestra de
Count Bassie (1904-1984) em
Kansas City.
Fonte:
Billie Holiday, Biografia -
Sylvia Fol.