quarta-feira, 31 de março de 2010

2009 - Jazz & The City Vol. 2 (3CDs)

O jazz nasceu efetivamente na passagem para o século XX e se desenvolveu na velocidade dele, lento, calmo e contagiante. As transformações pelas quais essa música passou tornaram na um objeto multifacetado pelo fato de que diversas tendências que se poderia colocar cronologicamente como sendo sucessivas, dentre as quais o swing, o bebop ou o cool, por exemplo, acabaram por conviver simultaneamente. A partir dos anos sessenta com o free jazz, ele foi abandonando seus elementos idiomáticos mais identificáveis como o swing e as melodias de assimilação mais rápida, perdendo assim suas conexões com o que se define como música popular, embora a sua filiação à tradição oral jamais tenha sido negada. Teve durante muito tempo uma função de entretenimento e de dança mas também uma função ritual, com os cantos religiosos (gospel) e os cantos de trabalho (worksong). Assistir a um concerto de jazz é uma experiência única, pois a cada performance a abordagem das músicas se modifica substancialmente, um mesmo tema nunca é repetido, ele é a cada vez recriado e isto faz parte da própria idéia de jazz. A interação com o público e as condições acústicas do lugar de realização de um concerto também são fatores que certamente terão forte influência no resultado final, uma vez que o conteúdo de um concerto jazzístico não está nos temas e sim na abordagem deles. Ainda, a substituição de um único integrante em um grupo trará uma nova vivência, uma nova face, uma vez que no jazz os músicos não tocam partes predeterminadas e a contribuição individual é de vital importância para a realização musical. No entanto, a gravação de um concerto (a reprodução), também terá seus aspectos positivos. Poder ouvir hoje, por exemplo, um trabalho feito por Miles Davis do ano de 64 em Tóquio , em um dos momentos de transição de suas estéticas e com a participação de um músico que nunca havia tocado com ele (Sam Rivers- sax tenor) e que jamais tocaria novamente, por certo não é uma experiência comum e somente a reprodução pode nos trazer de volta, ainda que parcialmente, aquele momento. Há que se destacar como positivos os aspectos didáticos, uma vez que através da reprodução pode se estudar e passar adiante as idéias contidas em uma abordagem musical, como a citada acima. Mas não há como ignorar também o fator comercial do lançamento deste ou de qualquer outro trabalho. Todas as questões mercadológicas, que incluem campanhas de marketing e o relançamento de antigos produtos com novos suportes tecnológicos, como temos visto muito no setor audiovisual; parecem ser a exacerbação da premissa do capitalismo na qual tudo é mercadoria e tudo pode ser vendido ou comprado. Adorno antevê esta questão de maneira pontual. Ante o poderio da mercadoria anunciada, já não resta à consciência do comprador e do ouvinte outra alternativa senão capitular e comprar sua paz de espírito, fazendo que a mercadoria oferecida se torne literalmente sua propriedade. Porém, o chamado free jazz, surgido nos anos sessenta, rompeu todas as conexões com as estéticas jazzísticas anteriores a ele, mesclando elementos que são novidades trazidas pelos músicos que praticaram o free. Entre eles - entrada no campo livre da atonalidade, dissolução da simetria rítmica do metro e do beat, incorporação de elementos musicais de diversas culturas, maior intensidade na execução instrumental, chegando quase ao êxtase e ao “culto da intensidade” e o ruído passando a fazer parte do som musical. Estes elementos mas acima de tudo o uso que se fez deles, esvaziaram o jazz de suas funções sociais e lhe concederam também o status de arte dentro da perspectiva ocidental do século XX. "Vamos tentar fazer música e não um fundo musical”. Esta frase foi dita por Ornete Coleman (1930), nos comentários de capa do disco Free jazz, que é tido como o marco zero dessa experiência musical.
O objetivo era fazer os instrumentos falarem como talvez tenham falado nossos ancestrais longínquos, antes da invenção da linguagem. Para isso, utilizei um quarteto duplo: dois sax, dois trompetes, dois contrabaixos e duas baterias que dialogavam. No disco, ouvese um quarteto em um canal e o segundo quarteto no outro. Em “Free Jazz”, faixa de 37 minutos e três segundos, a noção de virtuosidade desapareceu, em prol da mensagem: aquilo que era acidente se convertia em nova possibilidade sonora. Ruídos, efeitos do sopro assobios da palheta, tudo era explorado e trabalhado. Cada instrumento se tornava um prolongamento da vida e do corpo. Todas as nuanças emocionais da voz – gritos, gemidos se exprimiam livremente. Os instrumentos rítmicos podiam revelar suas qualidades melódicas: os bateristas exploravam todos os timbres, usandoos como notas para formar um discurso. Os contrabaixos desfraldavam sua riqueza lírica sem ser relegados ao papel de acompanhamento. Enquanto isso, os trompetes e o sax (sic!), exploravam os ritmos. Ao tocar aquela música, éramos levados a um equivalente musical das ações pintada (“action paintings”) de Jackson Pollock. Por sinal a capa do disco trazia uma reprodução de uma tela de Pollock”.

Estas questões reverberam intensamente na música de uma maneira geral e não somente no caso específico do jazz pois a reprodução técnica na música se dá através da gravação. Este foi um fator que influenciou inclusive a própria criação artística, antes da invenção do disco de vinil as peças musicais tinham que se acomodar no tempo máximo de três minutos porque até o final da década de quarenta os discos de 78 rotações eram praticamente o único meio acessível para gravações no caso específico do jazz. Os discos de 12 polegadas que poderiam conter até cinco minutos de música talvez fossem caros demais para o jazz. Em tempos de tecnologia digital os problemas são outros. Na música comercial uma infinidade de recursos faz com que todo o processo de produção de um CD ou de um DVD se torne muito semelhante ao da edição de um filme. Pequenas frases musicais são gravadas sem qualquer seqüência que faça sentido ao “intérprete”, posteriormente elas serão montadas pelo produtor. Um percussionista grava um compasso que é posto em looping durante toda uma seção ou até durante uma música inteira, isso quando não se usa um sampler. A afinação também não é mais um problema devido a dispositivosdos programas de gravação que corrigem pequenos deslizes de cantores ou instrumentistas que toquem instrumentos sem afinação fixa. Todos estes recursos possibilitam que se consiga aquela definição perfeita em uma gravação digital, tão perfeita que chega facilmente a ser irreal, não somente do ponto de vista da realização acústica, mas também do ponto de vista do arranjo e da instrumentação. Muitos arranjos ao vivo, simplesmente porque não são pensados para isto; ouvir um violão de nylon soar à frente de uma bateria pop é absolutamente irreal, então quando estão “ao vivo”, muitos músicos pop dublam seus próprios CDs. A gravação de música chegou a um estágio onde não pode mais ser considerada reprodução, ela passou a ser o objeto em si e em alguns casos a apresentação dos artistas é que é a reprodução da gravação. Na música erudita, os novos processos de gravação (por sessões ou com o uso de overdub ) são utilizados com a justificativa legítima de que o concerto e a gravação são coisas totalmente distintas. A gravação tem que ser perfeita do ponto de vista técnico, uma vez que a obra já está totalmente preconcebida e cabe assim ao intérprete realizar a idéia do compositor da melhor maneira possível, mesmo porque haverá diversas gravações de uma obra, que serão referências da mesma, e serão ouvidas em ambientes diversos, longe do calor (aqui agora) de um concerto. Os músicos de jazz, do jazz no sentido estrito (stricto), perceberam cedo que a perfeição buscada pelas gravações digitais estava ameaçando o que o jazz tem de mais caro: a espontaneidade, a conversa dos músicos que constrói a obra musical e o ouvir o outro para poder interagir. Assim, a despeito das novas tecnologias, continuaram encarando a gravação como o registro de uma performance, o chamado “ao vivo no estúdio”. Do ponto de vista comercial, este procedimento é ruim, pois não propicia a mesma qualidade de reprodução que uma gravação feita em camadas, o que seduz o ouvinte pela tal “perfeição”. Porém do ponto de vista da criação musical, tal procedimento simplesmente garante a sobrevivência criativa do jazz. Pequenas imperfeições de afinação ou “guinchos” de clarinetes ou saxofones, até mesmo uma leve aceleração no andamento da música, são aceitos se o take for considerado musicalmente bom. No encarte de um CD do saxofonista Branford Marsalis chamado The Beautyful Ones Are Not Yet Born, lançado em 1991, portanto no início da era digital, há a seguinte inscrição:
Para o purista, este disco foi gravado com dois microfones direto para dois canais analógicos, sem mixagem, edição ou overdubbing. Para o audiófilo, este disco foi gravado em tape digital multicanal, editado e mixado várias vezes. Para o amante da música isto realmente não importa!.”
Ouvindo este trabalho fica claro que se trata da gravação de uma performance feita no estúdio. Com uma formação de trio (saxofone, baixo e bateria) os músicos tocam buscando um desenvolvimento contínuo, mal dá para se perceber as mudanças de chorus. Se alguém resolvesse colocar um percussionista na grava em compasso posto em looping durante toda uma seção ou até durante uma música inteira, seria possível, isso quando não se usa um sampler. As observações aqui mencionadas encontram lugar para reverberar em uma expressão artística como o jazz, que se realiza no momento da fruição. Portanto Assistir a um concerto de jazz ao vivo, é na verdade participar dele, pois a presença e o envolvimento do público em um concerto influenciará certamente a performance dos músicos, e os eventos musicais “ainda por acontecer” serão vivenciados pelos artistas e pelo público no mesmo momento. Portanto, público e artista pactuarão desta maneira um momento único. Viver o momento de um concerto é uma experiência bastante diversa da audição de um CD. Nele, por mais que se opte pelo registro fiel de uma performance os eventos já terão ocorrido. O jazz sob uma perspectiva Moderna.

Bossasonic
- Wicked Game


CD1
01 - Tito Beltran, City Of Prague Philharmonic and Stapleton - Caruso
02 - Badabing Badaboom - When You're Lonely In New York
03 - Cassandra Wilson - Harvest Moon
04 - Michael 'Patches' Stewart - Fly Me To The Moon
05 - Ella Fitzgerald - He's My Guy
06 - George Duke - For All We Know
07 - Tom Browne - In A Sentimental Mood
08 - Lionel Hampton - My Last Affair
09 - Thelonious Monk - Ruby, My Dear
10 - Duke Ellington - Tea For Two
11 - Dizzy Gillespie - Desafinado
12 - Art Blakey and The Jazz Messengers - Mosaic
13 - The George Shearing Quintet with Nancy Wilson - All Night Long
14 - Chet Baker - Time After Time
15 - Herbie Hancock - Dolphin Dance

CD2
01 - Alley - Praire Cats
02 - Mikelyn Roderick - Copasetic Is
03 - Ella Jones - Summer Candy
04 - Badabing Badaboom - Everybody Want's What They Ain't Got
05 - Tonic Vintage Vocals - Fancy Feast
06 - Tony B - Happy Together
07 - Julie Anne - I Don't Know Enough About You
08 - Mike Goudreau - I Get A Kick Out Of You
09 - Tony B - I've Got You Under My Skin
10 - Felicia Carter - My Funny Valentine
11 - Lloyd Marcus - Nice And Easy
12 - Johnny Boyd - Palace Hotel
13 - Nena Anderson - Say You'll Be Mine
14 - Laura Hull - Swinging From The Moon
15 - Arlene Bailey - Time After Time

CD3
01 - David Mcmurray - For You (Hip Mix)
02 - Mikelyn Roderick - Bless You
03 - Martin Smith - Love For Sale
04 - Tom Browne - Hangin' On A String
05 - Emme St. James - Make Love To Me
06 - Jack Hoban and Wendy Razer - Moonlight On The Sand
07 - Mikelyn Roderick - Slick And Deep
08 - George Duke - Sweet Baby
09 - Miss Volare and The Vendettas - The Long Goodbye
10 - Diane Van Durzen - Exactly Like You
11 - Aimee Allen - What The Senses Know
12 - Miles Davis - You Go To My Head
13 - Angela Mccluskey - Don't Explain
14 - Tom Browne - Back To Life 5:56
15 - Bossasonic - Wicked Game 3:12

Boa audição - Namastê.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Lembranças

glitters


"Que Deus abençoe a criança que não espera nada de ninguém".

"Parece que ninguém canta como eu a palavra fome ou amor. É sem dúvida porque sei o que se esconde nessas palavras, porque tenho orgulho suficiente para me querer lembrar".

"Não creio que cante. Tenho a impressão que toco um instrumento de sopro. Tento improvisar como Lester Young, como Louis Armstrong".

"O seu fraseado partia do ritmo. Sem mudar nada na melodia, ela acentuava as palavras, media os versos e as sílabas, e atribuía-lhes um sentido que dá à canção toda uma outra dimensão".

Eleanor Fagan Gough - Billie Holiday

quinta-feira, 18 de março de 2010

Tributo à Billie Holiday

O Silêncio de Billie

Ó doce e sensual canto!
É de Billie Holiday tal encanto. Ela me faz invejar
Lester Young, pois, poder adormecer ao acalanto
dessa voz esculpida por Deus de modo ímpar
e lapidada pelas amarguras raciais e de amor, é carícia auditiva.
Se o jazz é música para fornicar,
Billie é um convite a tanto.
Lady Day do Harlen, ao cantar
é a quintessência do soul, o canto
da beleza sem esperança: pura emoção!
Eleanora Fagan, depois Billie: a gardênia que encanta
em cada lamento que derrama de seu infeliz e triste coração;
menina e mulher sempre humilhada, artista e negra segregada, decanta
de sua infeliz e sofrida condição humana, doces e estimulantes cantos tão
belos quanto amargos e nos quais ela nasce e morre e já por isso toca coração
e mente, senão de todos que a ouvem pelo menos daqueles mais sensíveis.

Violets For Your Furs


O Lendário Teatro Minton's - Harlem

Da esquerda para a direita: Thelonious Monk (boina, cachecol e óculos escuros),
Howard McGhee, Roy Eldridge, Teddy Hill e o lendário teatro
Minton's no Harlem, NY 1947.
Fotografado por: William Gottlieb.

Miles Dewey Davis Jr

O Jovem Miles Davis e o trompetista Howard McGhee no Studio Rehearsal Nola,
01 de janeiro de 1947.
Fotografado por: William Gottlieb.

domingo, 14 de março de 2010

1961 - The Other Village Vanguard Tapes - John Coltrane

Sobre Coltrane, escreve o crítico André Francis: "Não poucos medíocres julgaram poder imitar Coltrane. Ora, tocar como ele exige uma fé enorme. Coltrane era puro, generoso, gostava do mundo; seu rosto espelhava calma e franca formosura. Os que o imitam não passam de aproveitadores. (...) Em tudo a vida de John Coltrane é exemplar. Nenhum escândalo, nenhuma fraqueza, quase nenhuma anedota frívola: música, isso sim, acima de tudo. (...) Muitos há que tocam e agem como ele (...) Mas falta-lhes a mesma fé." Dificilmente se poderia acrescentar algo a tais palavras". John Coltrane como saxtenorista mais cultuado do jazz um bom jazofilo já sabe e degusta de sua ousada e inédita exploração do espaço sonoro jazzístico - poucos bebem. Trane desenvolveu um estilo próprio onde predominavam as chamadas "Sheets of Sound" ou folhas/camadas de som num português arranhado, que se compunham de longas frases de notas rápidas tocadas em legato. Coltrane embarca numa radicalização da harmonia que o leva à beira do atonalidade. Também fragmenta e desconstrói os temas deixando-os quase irreconhecíveis sob um congestionamento de frases torturadas. Embora vindo do hard bop - o Coltrane de 1955 a 1965 já podia ser considerado em certo sentido um precursor do free jazz. Coltrane começou no início com o jazz modal ao lado de Miles seu primeiro mentor. Quem observar os solos de Trane no disco Blue Train (1957) e depois compará-los com os solos do Giant Steps (1959) gravado na mesma época que o Kind of Blue de Miles, poderá perceber uma considerável evolução que transformou seu fraseado bebop em um estilo próprio de fraseado: através do estudo intensivo em busca de uma identidade cada vez mais própria, suas improvisações ficaram cada vez mais viscerais, seus voos mais virtuosos e seus discos passaram a ser mais originais. Como o jazz modal era um conceito que fazia o uso das escalas modais gregas ao invés de usar a convencional sequência de cifras para harmonizar a música, Trane passou a improvisar uma sequência absurda de notas ligadas em combinações de escalas, as quais mudavam a todo o momento (essa característica mudou o seu swing e deixou seus solos mais compridos, intensos e dinâmicos). Essa técnica de tocar uma sequência absurda de notas ligadas já tinha sido rotulada pelo crítico Ira Gliter um pouco antes como "sheet of Sounds (camadas de sons); e esse seu conceito harmônico de improvisar sequências de modos de escalas, ou seja, improvisar escalas que mudavam a todo o momento, chamaram de "Coltrane Changes" (mudanças de Coltrane). Como exemplo a faixa título do disco Giant Steps de 1959. Na década de 50, tirando o fato de Coltrane ter se casado com uma moça convertida à religião islâmica chamada Naima (a qual, ele dedicou a faixa Naima no disco Giant Steps), há poucos vestígios do uso temático das suas descobertas religiosas em suas composições. Já na década de 60, com o surgimento do free jazz de Ornette Coleman, Coltrane não só começou a levar sua música ao caminho da improvisação livre como também usou e abusou de temáticas que levaria sua obra ao cúmulo do misticismo: trata-se de uma fase mais "free" e "spiritual", que influenciaria muitos outros músicos daquela época e da década de 70. Aliás o disco mais "sóbrio" e convencional que Coltrane gravou de 1960 até 1967 foi o Duke Ellington and John Coltrane de 1962 em colaboração com o lendário pianista e bandleader Duke Ellington, um dos maiores mestres do início do jazz. Mas Trane já havia gravado por exemplo um disco chamado Avant-Garde com o trompetista Don Cherry em 1960 - onde ele inaugurava sua preferência pelo estilo de Free Jazz de Ornette Coleman e começava a deixar de lado as reminiscências do bebop e hard bop - e também já tinha gravado Olé Coltrane e África Brass (1961), discos com peças e arranjos interessantes para um insula conjunto orquestral que incluía músicos fantásticos como os trompetistas Freedie Hubbard e Booker Little, contrabaixista Art Davis, o saxofonista e flautista Eric Dolphy e os músicos que constituiria o seu legendário e clássico quarteto: o pianista McCoy Tyner, o baterista Elvin Jones e o contrabaixista Jimmy Garrison, com os quais Trane gravaria o seu mais famoso álbum, chamado A Love Supreme (uma devoção ao Deus, Todo Poderoso). Esses discos gravados de 1960 à 1964, foram "obras de transição" para o período mais selvagem, free, cósmico e místico que Coltrane passaria a explorar a partir de 1965 através de discos temáticos como Ascencion, Om, Cosmic Music, Kulu Se Mama, Meditations, Interstellar Space e Expression. Essa fase de 1965 até sua morte em 1967 a qual ele inicia apresentando-se com seu amigo saxtenorista Pharoah Sanders e com sua segunda esposa e harpista Alice Coltrane, foi influenciada por músicos vanguardistas como Ornette Coleman, Sun Ra, John Gilmore e principalmente pelo som selvagem e ríspido do saxtenorista Albert Ayler. The Other Village Vanguard Tapes são fragmentos do show realizado no famoso clube Village Vanguard em 1961. Gravado em 02,03,04 e 05 de Novembro de 1961 no Live at the Village Vanguard - New York City.
 

 Faixas: 
CD1 
01 - Chasin' the Trane 
02 - Spiritual 
03 - Untitled Original 

CD-1
01 - India 
02 - Greensleeves 
03 - Spiritual

Músicos: John Coltrane - Sax. Tenor & Soprano 
Eric Dolphy - Clarinete (Apenas faixa. 02) 
Reggie Workman - Baixo Acústico 
Jimmy Garrison - Baixo Acústico
 Elvin Jones - Bateria 
McCoy Tyner - Piano 

  Boa audição - Namastê.

domingo, 7 de março de 2010

sábado, 6 de março de 2010

Eleanor Fagan Gough (Billie Holiday) 1915-1959

Mister Downbeat - Nova York, NY, entre 1946 e 1948
Fotografado por: William Gottlieb

Eleanor Fagan Gough (Billie Holiday) 1915-1959

Louis Armstrong, Billie Holiday & Barney Bigard
no filme New Orleans, dirigido por Arthur Lubin de 1947 - Louisiana.
Fotografado por: Michael Ochs Archives

Eleanor Fagan Gough (Billie Holiday) 1915-1959

Louis Armstrong & Billie Holiday juntos no Studio C - 01 Jan 1939.
Fotografado por: Arquivo JP Jazz / Redferns

Eleanor Fagan Gough (Billie Holiday) 1915 -1959

Billie Holiday e seu boxer Mister Downbeat,
Nova Iorque - Fevereiro de 1947.
Fotografado por: William P. Gottlieb

Eleanor Fagan Gough (Billie Holiday) 1915 -1959

Ray Bauduc (bateria) Billie Holiday (voz) Claude Hopkins (piano) & Walter Page (baixo acústico) no Real Blues in Harlem - 1950
Fotografado por: Ralph F. Seghers

Eleanor Fagan Gough (Billie Holiday) 1915-1959

Billie Holiday - 1917, infância roubada
da grande dama do jazz. (Arquivo pessoal)

Eleanor Fagan Gough (Billie Holiday) - 1915-1959

Billie Holiday em cena - 1947
Fotografado por: William P. Gottlieb.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Getz/Gilberto - Bastidores

Astrud Evangelina Weinert - a grande
musa do albúm (Astrud Gilberto)
Fotografado por David Drew Zingg

Getz/Gilberto - Bastidores

A grande gravação de Getz-Gilberto
Fotografado por David Drew Zingg

Getz/Gilberto - Bastidores

Stan Getz, João Gilberto & Tião Neto (de costas)
Fotografado por David Drew Zingg

Getz/Gilberto - Bastidores

Tiâo Neto- A única e lamentável injustiça de Getz-Gilberto
foi a ausência do contrabaixista nos créditos.
Fotografado por David Drew Zingg

Getz/Gilberto - Bastidores

Getz, Banana, Jobim, Creed, Gilberto & Astrud
Fotografado por David Drew Zingg

Getz/Gilberto - Bastidores

Getz e Gilberto
Fotografado por David Drew Zingg

Getz/Gilbeto - Bastidores

Creed Taylor, Tom Jobim (de costas), João Gilberto e Stan Getz
Fotografado por David Drew Zingg

1963 - Stan/Gilberto - Stan Getz & Joao Gilberto

Nos dias 18 e 19 de março de 1963, dez pessoas - oito homens e duas mulheres - reuniram-se no A&R, um estúdio de gravação na Rua 48 Oeste quase esquina com a Sexta Avenida, em Nova York, e criaram o álbum - LP, como então se dizia - que para muitos é o maior da bossa nova em todos os tempos. Ou o maior LP de bossa nova gravado fora do Brasil. Claro que enquanto o estavam gravando, eles não imaginavam o tamanho da façanha e nem que o disco seria um divisor de águas na vida de todos os envolvidos. Alguns talvez apenas desconfiassem disso. Esses homens e mulheres eram o sax tenor americano Stan Getz, 36 anos recém-feitos, muito admirado por seu lirismo ao instrumento - e nem tanto, no mundo do jazz,por seu caráter ou falta; o pianista e compositor brasileiro Antonio Carlos Jobim, também 36 feitos havia pouco e só então perdendo a timidez que o caracterizava; o violonista e cantor João Gilberto, 32, tido por unanimidade como o criador e principal nome da bossa nova; o contrabaixista Tião Neto, 32, com sua marcação firme e o som poderoso e redondo; e o baterista Milton Banana, às vésperas dos 28 anos e tão importante para a bateria da bossa nova quanto João Gilberto para o violão. As duas mulheres eram a bela Astrud Gilberto, carioca nascida na Bahia que faria 23 anos dali a dez dias e casada com João Gilberto, e Monica Getz, esposa de Stan e responsável por uma grande façanha poucos dias antes: resgatar João Gilberto de seu quarto no já provecto hotel Diplomat, cinco quarteirões abaixo na Rua 43 Oeste, onde o cantor se enfiara e convencê-lo diariamente a trocar o pijama pelo terno e ir com ela para o anexo do Carnegie Hall, onde se realizavam os ensaios para o disco. Os outros três homens no A&R eram o engenheiro de gravação Phil Ramone, 29 anos dono do estúdio e em pouco tempo o maior nome do planeta em sua especialidade - no ano anterior, Ramone já demonstrara seu senso de oportunidade ao gravar Marilyn Monroe cantando "Parabéns pra Você" para o presidente John Kennedy no Madison Square Garden; o engenheiro de som Val Valentin, da mesma idade e, no futuro, tão prestigiado quanto Ramone; e o produtor do disco Creed Taylor, da Verve Records, também muito jovem nos seus 33 anos e já merecedor da adoração universal dos jazzistas por ter criado três anos antes o selo Impulse!. E, com este, temos os dez ali presentes ou 11, se contarmos um amigo comum de Jobim e Creed - o fotógrafo americano David Drew Zingg o mais velho no recinto - 40 anos - já com várias passagens pelo Brasil, onde viria morar definitivamente em 1965 e grande fã da bossa nova. Zingg não podia deixar de estar ali dentro do estúdio com sua Nikon porque fora quem apresentara Creed a Jobim e aos outros. Aliás seria a ele que Tom um dia no Rio diria sua célebre frase: "David, o Brasil não é para principiantes". Getz/Gilberto seria gravado na seqüência do já então polêmico concerto de bossa nova no Carnegie Hall, que acontecera havia menos de quatro meses em novembro de 1962. Jobim, João Gilberto e Milton Banana eram dos poucos músicos brasileiros que tinham ido a Nova York para o concerto e resolvido continuar por lá enfrentando o frio, a solidão, saudade do Rio e a falta do feijão. Tião Neto chegara pouco depois do concerto com o Bossa Três, que ele formava com o pianista Luiz Carlos Vinhas e o baterista Edison Machado - os três iriam se apresentar no programa de TV de Ed Sullivan. Todos os outros que haviam estado no Carnegie Hall - Sergio Mendes, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Chico "Fim de Noite", Agostinho dos Santos, Oscar Castro Neves, a cantora Ana Lucia - já tinham voltado para o Brasil e estavam sendo chamados a se explicar sobre o "fracasso" do concerto. Mas para Tom e João e também para Luiz Bonfá que igualmente decidira ficar em Nova York, não tinha havido fracasso. O evento podia ter sido um primor de desorganização no palco mas a música contida nele dera o seu recado. E a quantidade de jazzistas interessados no que eles estavam fazendo - o sax barítono Gerry Mulligan, os pianistas Bill Evans e Lalo Schifrin, os trompetistas Miles Davis e Dizzy Gillespie, o arranjador Quincy Jones - demonstrava que não era hora de voltar. Além disso Sidney Frey, dono da gravadora Audio Fidelity e produtor do concerto ainda não lhes pagara um centavo pelo Carnegie Hall. Desde a chegada Tom e João estavam se mantendo em Nova York com seu próprio dinheiro e agora, tinham mandado buscar as esposas: Tereza, esposa de Tom e Astrud. Se voltassem para o Rio aí é que o gringo lhes daria o beiço de vez. Enquanto Tereza não chegava, Tom ficou aos cuidados de Gerry Mulligan e do letrista Gene Lees, autor da versão em inglês para "Desafinado" e "Corcovado". Os dois americanos o adotaram e andavam com ele dia e noite alternando entre os botequins Jim and Andy's, na Rua 47 e Charlie's na Rua 52, ambos Oeste. Além da musicalidade absoluta do brasileiro duas coisas atordoavam Lees e Mulligan quanto a Tom: sua capacidade cúbica - era capaz de tomar o triplo de uísque que eles - e a velocidade com que estava aprendendo inglês. Mas Tom tinha seus próprios motivos para freqüentar esses botequins: ficara íntimo dos cozinheiros os quais na maioria eram porto-riquenhos. Eles não se passavam pela batata que serviam aos fregueses e faziam para si próprios um farto arroz com feijão com o qual Tom também se refestelava na cozinha. Com a chegada de Tereza Tom pôde parar de comer na rua mas as despesas dobraram e ele teve de passar a sacar dos adiantamentos que sua editora americana a BMI, lhe estava fazendo por conta das vendas de "Desafinado" e "Samba de Uma Nota Só", ambos já com várias gravações nos Estados Unidos. Stan Getz por sua vez deixara para trás a pindaíba em que vivia até bem pouco tempo - sua carreira tinha ido para o buraco afogada em álcool e drogas. Naquele mês de março ele já estava comprando suas roupas na Brooks Brothers com a montanha de dinheiro que a bossa nova despejava na sua conta. Seu LP com Charlie Byrd - Jazz Samba, gravado um ano antes e também produzido por Creed Taylor, entrara na lista de mais vendidos da revista Billboard e chegara espantosamente ao 1º lugar (ficaria ao todo 70 semanas na lista) - sendo que o 45 rpm de "Desafinado" extraído do LP já vendera mais de 1 milhão de cópias. Nunca um disco de jazz sonhara em atingir tais marcas. Zonzo com o sucesso Creed Taylor resolveu investir na bossa nova e produzir novos discos do gênero com Stan Getz. O LP seguinte de Stan, Big Band Bossa Nova gravado poucos meses depois de Jazz Samba em parceria com o vibrafonista Gary McFarland e grande orquestra chegaria ao 13º lugar e ficaria 23 semanas na lista da Billboard. Era bom mas só tinha bossa nova no título. Um terceiro LP - Jazz Samba Encore!, com Getz finalmente dividindo o microfone com um músico brasileiro - Luiz Bonfá e gravado logo depois do Carnegie Hall era muito melhor mas seu topo na lista seria um 88º lugar em 11 semanas. Nem o ponto de exclamação do título ajudou. Mesmo assim, eram grandes colocações sabendo-se que esses discos não estavam correndo numa raia à parte mas lutando contra os pesos pesados da música americana da época: Elvis Presley, Bobby Darin, Pat Boone, Henry Mancini, Lawrence Welk e dezenas de outros. E se pareciam decepcionantes era porque o acachapante fenômeno de Jazz Samba os deixara mal-acostumados. Só então Creed e Stan se deram conta de que nunca mais repetiriam aquele sucesso e que passada a primeira onda a bossa nova poderia sobreviver comercialmente mas restrita ao mundinho do jazz. O disco seguinte de Stan que eles já tinham acertado por contrato desde janeiro seria com João Gilberto e Jobim e não havia esperança de que seu destino fosse melhor do que os anteriores. Nunca duas pessoas se enganaram tanto. Quem poderia adivinhar que aquele LP, sim, é que seria o começo de tudo? Getz/Gilberto, naturalmente, tornou-se o clássico dos clássicos e até hoje botá-lo para tocar é uma experiência insuperável. Quem consegue acreditar que esse disco já existe há 45 anos? E como convencer os mais jovens de que foi gravado em apenas dois dias e ao velho estilo? Ou seja: nada dessa história de gravar primeiro as "bases" - piano, contrabaixo e bateria - para depois o cantor "botar a voz" ou o saxofonista solar por cima. Eram todos ao mesmo tempo no estúdio, tocando juntos - se um errasse tinham de parar e começar de novo. Mas ninguém ali era de errar. Milton Banana fora o baterista nos principais eventos da bossa nova até então - e não por acaso todos ligados a João Gilberto: as noitadas da boate Plaza em Copacabana em 1957 onde se ouviu ao vivo a batida da bossa nova pela primeira vez; a gravação do single "Chega de Saudade", por João, na Odeon em 1958, do LP de mesmo nome em 1959 e o show O Encontro no restaurante Bon Gourmet também em Copacabana que reunira Gilberto, Jobim, Vinicius de Moraes e Os Cariocas em 1962. Poucos meses depois no Carnegie Hall ele acompanhara João Gilberto em sua interpretação ultraminimalista de "Outra Vez" de Tom - apenas a voz e o violão de João e suas escovinhas na vastidão daquele palco - deixando a platéia de Nova York hipnotizada. A participação de Banana no disco com Getz fora uma imposição de Tom Jobim e João Gilberto junto a Creed Taylor. Por este o baterista seria americano. Aliás na gravação de Jazz Samba um ano antes Getz usara dois bateristas americanos - Buddy Deppenschmidt e Bill Reichenbach para tentar simular a leveza brasileira - sem conseguir. Mas já nos ensaios para Getz/Gilberto assim que Banana tirou suas baquetas do estojo e roçou-as de leve nos couros Getz viu com quem estava lidando: com o primeiro e maior baterista da bossa nova. O contrabaixista Tião Neto por sua vez tinha pouco mais de três anos como profissional mas já era milionário de vôo nas boates do Beco das Garrafas em Copacabana. Todos o disputavam como acompanhante. Além disso, com seu cavanhaque e o porte de príncipe por trás do contrabaixo ele dava um ar quase intelectual a todas as formações de que participava - imponente como Eddie Safranski, contrabaixista de Stan Kenton ou hierático como Percy Heath, do Modern Jazz Quartet. E o que dizer de Tom Jobim? Era o pianista e diretor musical da gravação além de autor de seis das oito faixas que eles pretendiam gravar: "Garota de Ipanema", "Desafinado", "Corcovado", "Só Danço Samba", "O Grande Amor" e "Vivo Sonhando" (as outras duas, "Doralice", de Dorival Caymmi e Antonio Almeida e "Pra Machucar Meu Coração", de Ary Barroso, eram duas velhas jóias brasileiras que só almas apuradas como a de João e Tom saberiam desencavar). Quanto a Stan Getz conseguira finalmente dominar a emissão controlada e relax quase sem vibrato que para Tom seria a ideal para fazer o contraponto à maciez da voz e à flexibilidade do violão de João Gilberto. Em tese, aquela tinha tudo para ser uma gravação tranqüila - não havia motivo para problemas. Mas o que aconteceu foi que de relax a gravação de Getz/Gilberto teve pouco ou nada. João Gilberto não se satisfazia com a emissão de Getz, que achava muito enfática para a delicadeza da bossa nova. Por isso, a todo instante interrompia a gravação, para obrigá-lo a começar de novo. Getz não entendia e João dizia entre dentes para Jobim, como quem mastigasse as sílabas:

- "Tom, diga a esse gringo que ele é muito burro."

O americano perguntava a Tom o que João dissera e Tom botava panos quentes:
- "Ele está dizendo que é uma honra gravar com você."
- "Engraçado", resmungava Getz. "Pelo tom de voz não parece ser isso que ele disse."

Getz era famoso por seu gênio estourado e por ser cruel com os colegas. Não se sabe como se segurou. A única explicação era a de que, depois de tantos atropelos em sua carreira, ele estava vendo na bossa nova uma possibilidade de redenção - e, para isso engoliria todos os sapos que João Gilberto lhe jogasse ao colo. Custou mas João conseguiu que Stan soasse ao sax tenor quase como se sussurrasse - pelo menos durante a gravação. Sim porque,meses depois, na mixagem sem a presença dos brasileiros Getz aumentou o volume de seus solos, principalmente nas entradas, conferindo-lhes um ataque que João Gilberto nunca teria aprovado. Com todas as idas e vindas e as inúmeras interrupções, inclusive para escapadas ao Jim and Andy's, bem ao lado as oito faixas de Getz/Gilberto - 34 minutos de inexcedível beleza - foram gravadas por igual durante os dois dias, quatro de cada vez, sendo "Garota de Ipanema" a última do primeiro dia. E então deu-se aquilo que por muito tempo se constituiu numa das lendas da bossa nova: a fábula da esposa e dona-de-casa, jovem e despretensiosa que casualmente no estúdio foi convidada a gravar uma pequena participação e dali disparou para tornar-se um fenômeno de vendas no mercado americano - Astrud Gilberto naturalmente. Acontece que Astrud não estava por acaso no estúdio naquele dia e nem era tão despretensiosa. Ao contrário, sempre quis ser cantora e desde que se casara com João Gilberto em 1960 ele a preparara para isso. (Como será ter João Gilberto como professor particular de canto?) Astrud até já se apresentara em público no Rio: na famosa Noite do Amor, do Sorriso e da Flor, o grande show de bossa nova no pátio da Faculdade de Arquitetura da Praia Vermelha, em 20 de maio de 1960 - por sinal o último show amador da bossa nova porque,a partir dali todos os seus participantes se profissionalizariam. Com João acompanhando-a ao violão e aos vocalises, Astrud cantou "Lamento" e "Brigas Nunca Mais", ambas de Tom e Vinicius para mais de 2 mil pessoas. Não empolgou mas também não fez feio - e nem João permitiria que ela se apresentasse se não estivesse minimamente no ponto. Astrud falava inglês e era com essa capacidade que tinha ido para Nova York - para ajudar João em seus compromissos e tratativas comerciais com empresários e agentes, já que as únicas palavras que ele conhecia eram os títulos de algumas canções americanas, como "All of Me" ou "Day by Day". Durante um dos ensaios em que se repassava a interpretação de "Garota de Ipanema", João a pedido de Astrud,sugeriu a Getz que ela lhe cantasse a versão em inglês que o letrista Norman Gimbell fizera para o samba. O curioso é que Astrud foi a intérprete de João quando este sugeriu ao americano a idéia de testá-la. Stan concordou sem muito interesse mas Creed Taylor viu naquilo uma boa idéia - se desse certo, uma ou duas canções em inglês aumentariam as chances comerciais do disco. E, então Astrud cantou "The Girl from Ipanema" e foi aprovada. Ali mesmo Tom sugeriu que ela também cantasse "Corcovado" que seu amigo Gene Lees transformara em "Quiet Nights of Quiet Stars". No futuro depois do sucesso estrondoso de Astrud, Stan Getz insistiria em dizer que João e Jobim não a queriam no disco e que não fosse por ele ela nunca teria sido "descoberta". "Corcovado" foi a primeira faixa a ser gravada no segundo dia e Astrud revelou-se muito mais segura do que em "The Girl from Ipanema". Nesta por sinal ela comete um erro ao cantar o verso "She looks straight ahead, not at he", em vez de "... not at me". Mas quando Creed Taylor percebeu era tarde porque o trabalho já fora encerrado - e uma época em que o instrumento de edição era a gilete, a gravação em apenas dois canais não permitia que se fizesse essa maquiagem. O próprio Creed Taylor não se deu conta do ouro que tinha em mãos. Terminada a gravação pagou todo mundo engavetou a fita e foi tratar da produção de outros discos. Um deles em maio com o próprio Tom Jobim tocando suas composições ao piano, Antonio Carlos Jobim, the Composer of "Desafinado", Plays, com arranjos do maestro alemão - até então nada valorizado - Claus Ogerman. Quando esse disco saiu, a revista Down Beat sapecou-lhe a cotação máxima de cinco estrelas e seu crítico Pete Welding lamentou que não tivesse mais estrelas para dar. Mas a glória ainda não estava se convertendo em dólares para Jobim e para faturar alguns trocados ele teve de submeter-se a tocar violão em discos dos outros. Um deles foi Brazilian Mancini do pianista Jack Wilson, só de composições de Henry Mancini em ritmo de bossa nova. Para assegurar que o disco contivesse a desejada batida, Tião Neto foi convocado ao contrabaixo e o baterista era outro carioca recém-chegado Chico Batera. O curioso é que como era exclusivo da Verve e seu nome não pudesse aparecer, Tom foi creditado na capa como "Tony Brazil" - assim mesmo entre aspas todos sabendo que era ele. Vida dura. Seus outros companheiros do abandonado Getz/Gilberto também foram tratar da vida no restante de 1963. Stan Getz ainda gravou mais um LP de bossa nova este com o violonista Laurindo de Almeida que Creed Taylor também engavetou e dedicou-se a tocar exclusivamente jazz pelos 17 meses seguintes. João Gilberto aceitou o convite do pianista João Donato então morando na Califórnia para irem fazer uma temporada em Viareggio no sul da Itália numa pequena boate chamada Bussoloto. Com os dois Joões seguiram Tião Neto e Milton Banana (e só por isso Banana não tocou no disco de Tom sendo substituído pelo também excepcional Edison Machado). E com eles foi também Astrud que ainda ninguém conhecia e que viajou no papel de simples esposa de João. O Bussoloto era o privé de uma grande casa de shows à beira-mar, chamada La Bussola onde a atração era o band leader Bruno Martino tocando chachachás e hully gullies para dançar. Mas Martino era também compositor - compusera um bolero intitulado "Estate" que João Gilberto adorou de saída e incorporou a seu repertório logo nas primeiras noites. Aliás, falando nos documentos sonoros perdidos da bossa nova este foi um que nem chegou a existir: João Gilberto, João Donato, Tião Neto e Milton Banana lotaram durante três meses o Bussoloto, noite após noite, dois shows por noite, certamente fazendo maravilhas - e nenhum desses shows foi gravado, nem mesmo por um amador equipado com um precário Geloso. O ano correu. Em julho Tom embarcou (de navio) para o Brasil. Na Itália, João e Astrud romperam e se separaram - João foi para Paris, Astrud voltou para o Rio. Em Paris, João conheceu uma estudante chamada Miúcha e convidou-a para ir a Nova York com ele para servir-lhe de secretária. Miúcha aceitou. Em novembro, Creed Taylor finalmente tirou Getz/Gilberto da geladeira e começou a ouvi-lo para ver o que saía dali. E gostou do que ouviu. Quanto mais o ouvia mais gostava do disco e em particular das duas faixas com Astrud. A onda da bossa nova já passara nos Estados Unidos - a dança que Arthur Murray dono de uma famosa academia tentara inventar para ela fora um fiasco de público - e era utópico sonhar com um sucesso de vendas. Mas o que ele tinha a perder? Creed preparou o LP para soltá-lo na íntegra e para um single em 45 rpm com duas faixas, amputou "The Girl from Ipanema" e "Corcovado" das participações de João Gilberto, conservando apenas os vocais de Astrud. Com isso cortou mais de dois minutos de cada faixa e as deixou com um tempo mais convidativo para que as rádios as tocassem. Incluiu o disco no suplemento "latino" da Verve e, em fevereiro de 1964, disparou a primeira cópia do single para uma pequena estação simpática ao jazz, no estado de Ohio. Dias depois recebeu um telefonema do programador: os ouvintes, siderados, não paravam de ligar para a estação perguntando o que era "aquilo". No Rio e no Brasil, durante o ano de 1964, "Garota de Ipanema" podia ser qualquer coisa, menos uma novidade. Todo mundo, exceto dom Helder Câmara já a tinha gravado e em todos os formatos possíveis: cantor-solo, em dupla, trio de jazz, conjunto vocal, quarteto de cordas, grande ou pequena orquestra e arranjo sinfônico. Pery Ribeiro fora o primeiríssimo, depois o Tamba Trio e em seguida, Claudette Soares. Mas ninguém no Rio esperava por aquela versão contendo Stan Getz, João Gilberto, Tom Jobim, Tião Neto, Milton Banana - e uma doce voz feminina que já não era a de "Astrudinha, mulher de João" como a chamava Vinicius de Moraes mas, agora a da famosa Astrud Gilberto. Ninguém esperava por aquilo - nem no Rio, nem no resto do mundo. Em poucos meses o single de "The Girl from Ipanema" chegou ao 5º lugar na lista da Billboard e permaneceu 11 semanas nela. Já o LP bateu num inacreditável 2º lugar e eternizou-se por 96 semanas na lista. E por que não chegou ao 1º? - perguntará você. Porque o 1º lugar semana após semana em todas as listas de 1964, pertenceu a algum LP dos Beatles, dos vários que foram lançados naquele ano nos Estados Unidos. Mas a Getz/Gilberto coube uma honra que ninguém tira: a de ser o LP de jazz mais vendido de todos os tempos. Vendido e respeitado. Foi um terremoto, uma avalanche. Em poucos meses com seus rendimentos nesse disco, Stan Getz comprou uma casa de 23 quartos em Irvington (NY), que pertencera a Frances, irmã de George Gershwin. João Gilberto faturou de saída 23 mil dólares, bom dinheiro então. E Astrud Gilberto talvez a principal responsável pelo estouro do disco ganhou pela tabela estabelecida pelo Sindicato dos Músicos de Nova York: 168 dólares por dois dias de trabalho - e mesmo assim, Stan Getz achou demais. Ao saber que Getz resmungara pelo cachê pago a Astrud, seu amigo o também sax tenor Zoot Sims, comentou no Jim and Andy's: "É bom saber que o sucesso não alterou Stan. Ele continua a ser o mesmo filho-da-puta de sempre." Com "The Girl from Ipanema" tocando em todas as rádios, lojas de discos, máquinas automáticas, vitrolas domésticas e sistemas de som em 1964, seus criadores tiveram de voltar correndo para Nova York. Stan Getz foi o primeiro. Retomou o repertório da bossa nova e mandou chamar Astrud no Rio - e lá se foi com ela para uma longa temporada em nightclubs dos Estados Unidos e da Inglaterra. De uma escala em Nova York saiu um LP ao vivo - Getz Au Go Go - que, sempre graças a Astrud, chegou à parada da Billboard no dia 19 de dezembro, bateu no 24º lugar e permaneceu por 46 semanas. E esse foi apenas o começo da carreira de Astrud, que em 1965 ganhou um LP só para ela, The Astrud Gilberto Album e cujos discos seguintes como Beach Samba e Look to the Rainbow, todos produzidos por Creed Taylor a tornaram um sinônimo dos anos 1960 para os americanos. Tom também voltou para os Estados Unidos para participar do primeiro LP de Astrud e para gravar uma série de grandes LPs dele mesmo, mas na Warner, que o tirou da Verve. E, a partir dali ninguém mais o segurou. Quanto a João Gilberto que já estava por lá foi convidado por Getz a se apresentarem juntos no Carnegie Hall em outubro de 1964, do que resultou um Getz/Gilberto #2 ao vivo sem comparação com o primeiro. Em 1965 sem Stan mas acompanhado por gente de luxo como o pianista Bill Evans ou o trompetista Art Farmer, João saiu pela estrada apresentando-se em Boston, Washington, Los Angeles e creia comparecendo aos shows como um bom menino e não se atrasando para nenhum. E tudo por causa de Getz/Gilberto. De passagem foi também um LP que faturou cinco Grammys - um deles o de disco do ano e nada menos do que dois para João Gilberto como cantor e como violonista. (João enfiou os troféus num armário em Nova York e esqueceu. Tempos depois numa mudança vendeu o armário com os Grammys e tudo e nunca mais os viu.) Por causa desse LP, Creed Taylor retomou seu repertório de bossa nova e além de Astrud, lançou vários outros brasileiros de enorme sucesso nos Estados Unidos como o organista Walter Wanderley, o percussionista Airto Moreira, o próprio Tom (seus discos Wave, Tide e Stone Flower, que estão entre os melhores de sua carreira foram todos feitos para Creed) e principalmente, Eumir Deodato, que vendeu milhões com seu surpreendente arranjo de baião eletrônico para "Also Sprach Zarathustra", de Richard Strauss e tema do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço. Uma única e lamentável injustiça manchou a odisséia de Getz/Gilberto: a ausência de Tião Neto nos créditos do LP. Em seu emprego fixo na época, Tião era contrabaixista do Bossa Três e este era contratado de Sidney Frey, dono da gravadora Audio Fidelity - logo Tião não podia aparecer entre os músicos do disco. (Poderia se a Verve tivesse concordado em pagar a Frey.) Com isso o contrabaixista creditado em Getz/Gilberto ficou sendo Tommy Williams, músico regular de Stan mas que nem sequer passou pela porta do estúdio enquanto Tião, lá dentro dava uma fabulosa sustentação aos outros músicos. A provar sua participação se não bastasse a palavra dos outros,há as fotos de David Zingg e o contracheque da Verve com o valor de seu cachê pelo trabalho: os mesmos 168 dólares de Astrud. Bem a seu estilo, Tião nunca disse uma palavra a respeito - foi nominalmente deixado de fora de um dos maiores discos de todos os tempos e só lhe restou a glória de viajar o mundo inteiro com os conjuntos de Sergio Mendes e mais tarde o de Jobim. Por causa de Getz/Gilberto a América adotou João Gilberto, Tom Jobim e Astrud Gilberto, absorveu-os e tratou-os como se eles fossem seus. E por muito tempo, pareceu que eles eram mesmo. Entre os Estados Unidos e o México, João Gilberto ficou 20 anos fora do Brasil. Tom ia e voltava, meses aqui e outros tantos por lá - numa dessas, gravou dois LPs com Frank Sinatra - e assim foi até o fim, em 1994. E Astrud nunca mais voltou - só a passeio, e cada vez mais raramente. Mais tempo se passou e além de Tom, morreram Getz, Tião Neto, Milton Banana e David Zingg. "Garota de Ipanema", a canção propriamente dita é que ficou imortal: tornou-se a primeira ou a segunda mais tocada do século XX, alternando-se com "Yesterday", de Lennon & McCartney. E Getz/Gilberto que nunca saiu de catálogo, inscreveu-se num pequeno panteão de perfeições criadas pelo homem (e, no caso, uma mulher) à revelia e a despeito de si mesmo. Perfeições que,um dia,esse homem terá de fazer por merecer. Fonte: Ruy Castro (Portal Brasileiros - Edição 9, Abril/2008)

The Girl From Ipanema


Faixas:
1. The Girl From Ipanema
2. Doralice
3. Para Machuchar Meu Coracao
4. Desafinado (Off Key)
5. Corcovado (Quiet Nights Of Quiet Stars)
6. So Danco Samba
7. O Grande Amor
8. Vivo Sonhando (Dreamer)


Musicos:
Stan Getz - Sax Tenor
Joao Gilberto - Violão & Vocal
Antonio Carlos Jobim - Piano
Tommy Williams - Baixo Acustico
Milton Banana - Bateria
Astrud Gilberto - Vocal

Download Here - Click Aqui

Boa audição - Namastê